Expresso - 20 de Abril

Quando os pais voltam à escola

«Aprender a Educar» é o nome do curso a decorrer na Universidade Católica, destinado a pais. Nas aulas, o mais importante é a partilha de experiências.

Texto de Maria Helena Costa

A Ana e o Vasco, ambos com 35 anos, têm quatro filhos com idades compreendidas entre os três e os 12 anos. Ele é osteopata e ela optou por abdicar de uma carreira profissional para se dedicar à educação dos filhos. Nos poucos tempos livres que estes lhe deixam dedica-se a prestar voluntariado numa associação para crianças com cancro.

A Ana tem consciência de que é uma mãe exigente, talvez de mais. O Vasco, que denomina a sua família como «tradicional e conservadora», sentiu, a determinada altura, «uma certa insegurança do casal, na tarefa de educar». Por isso procuraram respostas inscrevendo-se no «Aprender a Educar», um programa aberto de formação para pais - promovido pelo Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP), da Universidade Católica. No primeiro dia de «aulas», dia 5 de Abril, e porque este curso está dividido em quatro grupos, correspondentes às faixas etárias entre os zero e os três anos, os três e os seis, os seis e os 13, e um último para idades iguais ou superiores a 13 anos, o casal optou pelo grupo que considera mais problemático - o dos seis aos 13, intervalo etário em que dois dos seus filhos se incluem. Este ritual vai repetir-se durante mais dois meses, todas as sextas-feiras à noite. Para que ambos possam estar presentes, deixam as crianças entregues a uma «baby sitter», que terão de levar ao barco, caso se atrasem, mas não encaram a situação como uma penitência. «Custa um bocadinho, mas não é um sacrifício.»

Tanto a Ana como o Vasco provêm de famílias numerosas. Casaram cedo e o primeiro filho nasceu quando tinham 23 anos. «Sempre tivemos o desejo de ter vários filhos. Enquanto eles são crianças só dão trabalho físico e com esse nunca me importei. Até uma certa idade nós nem nos apercebemos das dificuldades», afirma Ana. «As coisas começaram a sair fora dos nossos planos», conta Vasco, «quando a nossa filha mais velha entrou para a escola, aos seis anos. Se calhar criámos expectativas muito elevadas, ou então pensámos que tudo ia continuar igual. E não é uma questão de avaliação escolar, mas sim de autonomia. Depois, enquanto a mais velha está a adaptar-se às dificuldades escolares, temos os outros todos atrás e já não temos o mesmo tempo e a mesma disponibilidade para os problemas específicos de cada um».

Para Ana, o facto de ser exigente não constituiria qualquer problema se isso não lhe acarretasse um enorme desgaste. «Para nós, a transmissão de valores tem sido o mais difícil, porque fora de casa eles estão sempre a ser puxados noutro sentido... Quando optei por ficar em casa para educar os meus filhos, foi porque chamei essa responsabilidade a mim, achei que pelo facto de ser eu a educá-los, eles nunca iriam ter problemas, mas enganei-me, temos as mesmas dificuldades que os outros pais. E isso custa muito!» Depois desta constatação decidiram não ter mais filhos.

Margarida é divorciada e mãe de duas filhas, de seis e 10 anos. Apesar de trabalhar com crianças (é educadora de infância), sente que está longe de ser uma boa mãe, e foi isso que a levou a inscrever-se neste programa. «Preciso de saber mais, sobretudo nesta faixa etária. Nós nunca sabemos tudo, não há fórmulas, não há receitas. Acho que ouvirmos os outros pais e partilhar experiências é muito importante. Chego à conclusão que os problemas não me acontecem só a mim, que as experiências são as mesmas, mas com contornos diferentes. Além disso, como sou divorciada e tenho as minhas filhas comigo, sinto-me a fazer os papéis de pai e de mãe, embora o pai das minhas filhas seja um pai bastante presente e interessado. Facilita ao ficar com elas para eu poder vir ao curso, justamente, porque sabe que isto é importante para mim e pode trazer benefícios para as filhas e também para ele.»

Na segundo dia de trabalhos, o grupo dos 6 aos 13 anos, o mais procurado pelos pais, debateu a transição escolar, sob a direcção de Margarida Del Barco, psicóloga educacional. Esta relatou vários casos de crianças com problemas que, depois de analisados pelos presentes, foram amplamente debatidos. No final do serão, todos deram por bem empregues as cerca de três horas de aulas. A troca de experiências permitiu-lhes não só verificar que não são os únicos, como ainda encontrar algumas respostas aos milhares de perguntas que para ali levam.

A ordem de trabalhos contemplava também a apresentação, pelos pais, dos respectivos filhos. Na opinião dos progenitores, a teimosia é o pior defeito das suas crianças. Logo depois vem o serem desarrumados, preguiçosos - sobretudo para fazer os trabalhos de casa -, e malcriados. A «guerra» entre irmãos, a timidez e a introversão são outras das preocupações destes pais que não hesitam em afirmar que «quanto mais velhos, maior é a preocupação».

Para muitos, este programa poderá parecer ridículo... Onde é que já se viu ir para a faculdade tirar um curso para se ser um bom pai ou uma boa mãe? Mas, para os que conseguiram inscrever-se (muitos foram os que ficaram de fora), esta pode ser uma preciosa ajuda. Não porque os pais actuais sejam menos inteligentes que os de antigamente, ou porque os filhos sejam mais problemáticos. A maior dificuldade deriva de se viverem estilos de vida completamente diferentes dos de há alguns anos, nomeadamente, com a entrada da mulher no mercado de trabalho, como considera Roberto Carneiro, presidente da CEPCEP e coordenador deste programa.

«Tudo começou com uma enciclopédia, 'Activa Multimédia', dirigida a jovens estudantes, tendo em conta os programas de ensino, e que teve um enorme sucesso. Nessa altura foi feito um inquérito aos pais compradores sobre o grau de satisfação, lacunas, complementos de que tinham necessidade, etc. Desse inquérito resultaram leituras muito interessantes, quer quanto aos assuntos, que já foram melhorados numa nova edição, quer quanto aos conteúdos editoriais que os pais desejariam.»

«Nós precisávamos de alguma coisa para ajudar os nossos filhos a estudar, não apenas nas disciplinas X ou Y», refere Roberto Carneiro, também ele pai de uma numerosa prole. «Nessa altura, nós, Universidade Católica, em conjunto com a editora, começámos a pensar numa enciclopédia para pais, o que era uma coisa muito mais complexa. Em matéria de pais, todos somos especialistas e todos somos ignorantes. Depois de pensar e de me aconselhar com algumas pessoas, uma delas a minha mulher, decidimos deitar mãos à obra e lançar, inicialmente, três volumes. Encontrei excelentes colaboradores... Porque eu faço uma supervisão geral, mas não escrevo a enciclopédia toda - nem teria competência para isso - e fizemos a enciclopédia 'Educar Hoje', dividida em três volumes». A saber: «Educar Adolescentes», em que são tratados os principais problemas da adolescência, as relações pais-filhos, os problemas da autonomia, da independência, mesadas, anorexias, bulimias, tudo o que são as questões contemporâneas da educação dos adolescentes. Depois, um segundo volume, «Ajudar a Aprender», «que tenta mostrar aos pais como serem educadores activos, no sentido de terem uma intervenção positiva na vida escolar e estudantil dos filhos», conforme salienta Roberto Carneiro. O terceiro volume chama-se «Aprender a Participar» e «tem a ver com as competências necessárias para que os pais participem bem na vida da escola».

Depois desta experiência, surgiram outros volumes e a ideia deste programa «Aprender a Educar», actualmente a decorrer na Universidade Católica. «Coisas que possam unir marido e mulher, na procura de respostas concretas, acho que fazem falta», acrescenta Roberto Carneiro. «Este foi o objectivo claro e determinado do figurino da metodologia que foi aqui desenhado. Quando nos abordavam para as inscrições, explicámos sempre que este programa era para o casal, mas também temos alguns casos monoparentais», explica o professor que, depois do número de pais e educadores que ficaram de fora - embora o número de inscrições tenha sido alargado -, não exclui uma segunda edição deste curso para pais.

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