Público - 24 Abr 06
Lições dos mestres
José Manuel Fernandes
Alguns conselhos de grandes mestres sobre algumas
verdades esquecidas pelo sistema educativo
Na semana em que centenas de
milhares de alunos regressam às aulas com exames à
vista, e depois de termos conhecido um relatório da
OCDE que se referia às graves debilidades da
Educação em Portugal, talvez seja útil dar a palavra
a outros para recordar algumas verdades demasiadas
vezes esquecidas.
Comecemos por George Steiner, a quem o título desde
editorial foi tomado por empréstimo. De um outro seu
livro recentemente editado em Portugal e onde, em
conversa com Célile Ladjali, debate a relação
professor-aluno, retiremos algumas reflexões.
A primeira é sobre a importância de exercitar a
memória e de decorar, dois valores em desuso numa
escola onde se tende a privilegiar apenas a
"compreensão": "Creio profundamente que quando
abandonamos a aprendizagem de cor - e a criança pode
aprender muito depressa, de modo admirável, se
negligenciarmos a memória, se não a mantivermos à
maneira do atleta que exercita os seus músculos, ela
definha. Hoje, a nossa escola é de amnésia
planificada". Amnésia que vai de se considerar
inútil tanto decorar um poema como a tabuada.
A segunda é sobre como estimular a aprendizagem: "O
horror do nosso ensino, da sua falsa realidade (...)
é minorar os sonhos da criança. (...) A grande
alegria só começa quando se diz: "Ainda não
compreendi, mas vou compreender. Ainda não sonhei,
mas vou sonhar". Ao nivelar, ao fazer uma falsa
democracia da mediocridade, mata-se na criança a
possibilidade de ultrapassar os seus limites
sociais, domésticos, pessoais e até físicos."
Steiner prossegue elogiando a atitude mais vulgar
nos Estados Unidos de dizer naturalmente a cada
criança que "vai ultrapassar os pais", um "melhorismo"
que recorda já ter sido notado por Tocqueville.
A terceira é sobre a capacidade de não abafar a
diferença e estimular os talentos. O velho professor
recorda uma história passada com o pintor Paul Klee,
aos seis anos, que, face a um exercício onde se
pedia para desenhar um aqueduto, o fez colocando
sapatos em todos os pilares. Steiner vê nesse
episódio uma "sinapse de génio" que, felizmente, o
professor não reprimiu, pelo contrário. Disse antes
aos pais que tivessem atenção, "pois algo de enorme
poderá acontecer". Aconteceu, como todos sabemos, e
algo devemos a esse professor que não esmagou a
criança "dentro de uma estrutura social de
igualitarismo", lugar onde se poderia destruir para
sempre "a possibilidade do milagre que é a grande
obra".
Talvez seja pedir de mais esperar tanto dos nossos
educadores, mas então que dizer de um pai que, há
176 anos, ao entregar o seu filho à escola primária,
pedia "apenas" ao professor: [Faça-o] aprender que
nem todos os homens são justos, nem todos são
verdadeiros, mas, por favor, diga-lhe que por cada
vilão há um herói, que por cada egoísta há também um
líder dedicado, ensine-lhe que por cada inimigo
haverá também um amigo, ensine-lhe que mais vale uma
moeda ganha que uma moeda encontrada, ensine-o a
perder, mas também a saber gozar a vitória, (...)
faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o
também perder-se com os pássaros do céu, as flores
do campo, os montes e os vales. (...) Ensine-o a
acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos.
(...) Ensine-o a nunca entrar no comboio
simplesmente porque os outros também entraram.
Ensine-o a ouvir a todos, mas, na hora da verdade, a
decidir sozinho, ensine-o a rir quando está triste e
explique-lhe que por vezes os homens também choram.
Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue
e a lutar só contra todos, se ele achar que tem
razão"?
Pedido exigente, sem dúvida, e também ambicioso. Mas
pedido que todos os pais deviam repetir, seguindo
exemplo de quem primeiro o formulou: Abraham Lincoln. |