Público - 18 Abr
08
Recolha de imagens nos balneários é prática
corrente nas escolas
Sandra Silva Costa
Aconteceu numa escola de Ovar e noutras da Feira.
Para os professores, esta já é uma situação "quase
normal". O assunto chega hoje à PGR
Fala-se do caso à socapa, mas toda a gente parece
estar a par. Mesmo assim, são poucos os que dão a
cara para o confirmar. Há uma mãe que dá a cara ao
PÚBLICO mas não dá o nome. Aceitamos: a filha tem
dez anos e foi fotografada, nua, nos balneários da
Escola Básica dos 2.º e 3.º ciclos de Maceda, no
concelho de Ovar.
Foi "uns dias antes do Natal" - no primeiro período
deste ano lectivo. A filha, aluna do 5.º ano, tinha
acabado de tomar banho depois de uma aula de
Educação Física. "Uma colega tirou-lhe fotografias e
as imagens passaram entre os telemóveis das outras
alunas", recorda a mãe. Tudo indica que "uma
funcionária" se apercebeu a tempo: o telemóvel da
estudante que fotografou foi confiscado. E ela
castigada: "Foi três dias para casa", acrescenta. A
filha é que "nunca mais tomou banho na escola". "Eu
não deixo", explica a mãe.
Há quem relate outros casos. Numa reunião da
assembleia de escola da EB 2/3 de Maceda realizada
na semana passada, a associação de pais levantou o
problema. "Em finais de Janeiro, inícios de
Fevereiro, foi reportado um caso também de
fotografias nos balneários, com alunos nus, que
terão sido publicadas depois num blogue", adianta ao
PÚBLICO um elemento da associação de pais.
O conselho executivo terá confirmado o caso.
Informou que o incidente foi reportado e as
fotografias retiradas da Internet "um dia depois". O
aluno que terá feito as fotos foi transferido de
turma.
Elísio Almeida, assessor do conselho executivo,
confirmou ao PÚBLICO o caso que ocorreu em Dezembro.
"Aconteceu de facto, houve uma sanção ao aluno
implicado e o assunto foi tratado." Diz desconhecer
todos os outros. Mara Tomás, vice-presidente do
órgão de gestão, adianta que ainda não recebeu a
acta da reunião da assembleia de escola e por isso
prefere não se pronunciar.
Comentam-se mais coisas na escola de Maceda. Que uma
outra aluna, de onze anos, foi filmada nua, as
ima-gens caíram no YouTube e ela "caiu" nas mãos de
um psicólogo; que, afinal, nenhuma destas histórias
aconteceu lá, em Maceda, mas noutra escola vizinha,
e que os miúdos acharam graça a alimentar o boato;
que tudo isto aconteceu de facto e terá resultado de
um acordo entre rapazes e raparigas. Qualquer coisa
como isto: eles pediram-lhes para filmarem esta ou
aquela aluna e pagaram na mesma moeda, com imagens
"sacadas" no balneário masculino.
O PÚBLICO contactou a Direcção Regional de Educação
do Centro, a que a escola de Maceda está adstrita,
mas não obteve qualquer resposta. Procurou também
saber se o Ministério da Educação conhece estes
casos, mas igualmente sem sucesso.
Audiência com o procurador
Estas histórias não são, contudo, exclusivas da
escola de Maceda. Através de vários relatos, o
PÚBLICO identificou situações semelhantes noutros
estabelecimentos de ensino. Num deles, na zona de
Santa Maria da Feira, um rapaz terá entrado no
balneário feminino e usado o telemóvel para filmar
as alunas; noutro, na mesma região, outro terá sido
suspenso durante cinco dias também por ter
fotografado colegas nas instalações desportivas.
Quem trabalha nas escolas já não se admira com estas
práticas. "Isto para nós já é quase normal, embora
admita que para a opinião pública seja
surpreendente", comenta João Paulo Silva, que dá
aulas de Matemática e pertence à direcção do
Sindicato dos Professores do Norte. Tito de Morais,
responsável pelo site Miúdos Seguros na Net (www.miudossegurosna.net),
vai mais longe: "Já ouço isto há muito tempo, e fico
com a sensação de que andamos todos distraídos
quando nos chega aos ouvidos um caso destes e ainda
ficamos admirados."
Tito de Morais recorda, aliás, o caso que lhe foi
relatado por uma aluna numa das muitas sessões sobre
segurança na Internet que vai fazer às escolas.
"Contou-me que, quando as meninas estão a mudar de
roupa nos balneários, há quem tire fotografias e
depois ameace pô-las no Hi5 [uma rede social na
Internet]".
A Confederação Nacional das Associações de Pais está
"atenta" ao problema - e este é um dos temas que vão
hoje abordar na audiência que vai ter com o
procurador-geral da República, Pinto Monteiro.
"Queremos saber se existe algum mecanismo que
permita aos pais prevenirem-se de situações como
esta e ainda se é possível, e de que forma, punir
quem as facilite", adianta o seu presidente, Albino
Almeida.