Diário Digital - 4 Ago 04

 

O Chumbo

Hermínio Santos

O insucesso escolar ameaça tornar-se em Portugal numa espécie de fatalidade semelhante à que ocorre todos os dias nas estradas nacionais e onde a única resposta parece ser sempre um simples encolher de ombros ou a típica atitude do salve-se quem puder. Sabe-se que o problema é grave, existem diagnósticos sérios sobre como combater as causas dos dois problemas, há discussões vigorosas sobre o assunto, apelos mobilizadores, os Governos prometem e gastam milhões – no caso da Educação o País gasta mais do que grande parte dos restantes membros da União Europeia – há diversas reformas já feitas ou em curso mas o resultado parece ser sempre o mesmo: uma catástrofe.

Dois dias depois de terem sido conhecidas as (fracas) médias dos exames do 12º ano, o jornal Público, com base em documentos oficiais, revelou que no ano lectivo de 2000/2001 mais de metade dos estudantes matriculados no 12º ano (cursos gerais) não conseguiu concluir o curso. Os agrupamentos Económico-Social e Científico-Cultural são os que mais dificuldades causam aos alunos. No 10º ano, também nos cursos gerais, 36% dos alunos chumbam a duas ou mais disciplinas e ficam retidos. Nos primeiros quatro anos de escolaridade obrigatória, onde existiam, no mesmo período, 376 mil inscritos, mais de 40 mil alunos chumbaram.

Estes números não são apenas dados estatísticos, significam também um testemunho de um Portugal que chumba numa área vital da sociedade, a da educação. Não é por falta de dinheiro que o problema subsiste. De acordo com um artigo de Medina Carreira publicado na edição de 28 de Julho do Diário Económico, no ano 2000, a educação e a saúde públicas absorviam, em Portugal, uma fracção da riqueza criada que coloca o País no sexto lugar da UE15, à frente de países muito mais ricos. Para o autor do artigo, a «deficiente qualidade da educação e da saúde públicas não é imputável à falta de dinheiro». Há países europeus que gastam menos que Portugal na educação mas têm melhores taxas de sucesso.

Portanto, há muito tempo que se deveria ter deixado de falar dos problemas do sector da educação numa perspectiva financeira. O problema não está no dinheiro mas nas mentalidades, na organização, na gestão, no poder dos professores, nas debilidades do Ministério (todo o processo de colocação de professores para o próximo ano lectivo é um escândalo), na flexibilidade das escolas públicas em gerarem soluções adequadas ao dia-a-dia das famílias (a falta destas soluções empurra muitas delas para o ensino privado) e no empenhamento real dos pais na educação do seus filhos. Está também na complexa teia de interesses corporativos e negócios que circulam à volta do sector. Não há desculpas para encolher os ombros mas a solução mais fácil parece ser a do salve-se quem puder.

 

hsantos@dinheirodigital.pt

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