CNJP - 11 de Dezembro de 2001

Dia de Jejum e oração pela Paz

Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz

Natal: jejum pela contenção consumista 

Desde há décadas que as preocupações com o desenvolvimento das pessoas e dos povos ultrapassam o horizonte do bem-estar económico actual, centrando-se em “responder às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras responderem às suas”. Assim foi definido, na Conferência do Rio, em 1992, o conceito de “desenvolvimento sustentável”. 

O compromisso do bem-estar das gerações futuras obriga a tomadas de consciência quanto a comportamentos que não podem deixar de ter em conta os dados e as perspectivas demográficas e económico-sociais, que vão afectar os descendentes da nossa geração. 

É por isso que não podemos ignorar que o nosso planeta já alberga mais de 6 biliões de pessoas, que devem ter acesso a uma quota de “bem-estar mínimo garantido”. 

A realidade é, como sabemos, o anti-retrato deste bem-estar. Verifica-se que os 20 % mais ricos são detentores de 82,7 % do rendimento mundial, enquanto que os 20 % mais pobres possuem apenas 1,4 % desse rendimento. 

Por outro lado, a relação entre o rendimento per capita dos 20 % países mais ricos e o dos 20 % mais pobres é da ordem dos 60 para 1! 

O confronto destes números não seria tão perturbador se não traduzisse os dramas individuais e colectivos de milhões de pessoas. 

E esses dramas não seriam tão chocantes se, diariamente e em directo, não tivéssemos acesso a imagens que nos gritam os tremendos contrastes das condições de vida sobre a face da terra. 

Vem esta reflexão a propósito de neste Natal, o Santo Padre ter pedido aos católicos e aos homens de boa vontade para que o dia 14 de Dezembro “seja vivido como um dia de jejum”, convidando-nos a agir para que “o amor prevaleça sobre o ódio, a paz sobre a guerra, a verdade sobre a mentira, o perdão sobre a vingança”. 

A Comissão Nacional Justiça e Paz não quer deixar de se associar a este “dia de jejum”, para que seja vivido com a discrição querida por Jesus e a atenção virada para os mais sofredores e pobres. 

Imergidos no quase compulsório consumismo natalício, induzido por hábitos civilizacionais que absorvem remunerações e economias, muitas vezes em prejuízo de necessidades familiares, esta “paragem” para a oração e o jejum é uma oportunidade para reflectirmos sobre o modo como temos que exprimir a” grande alegria” que nos foi trazida pelo nascimento do Menino Jesus. 

Por ironia, os hábitos consumistas foram injustificadamente conotados com esta quadra festiva, numa relação de todo ilegítima com a extrema austeridade e desconforto proporcionados à Sagrada Família na gruta de Belém. 

Este consumo desenfreado nem sempre é acompanhado do calor humano que devia acompanhar as ofertas natalícias, tantas vezes ditadas sem ter em atenção a pessoa do destinatário, talvez mais carenciado de uma palavra ou de um gesto de solidariedade do que de um qualquer objecto de consumo. 

Sabemos quanto é difícil remar contra marés vivas, impulsionadas por interesses industriais e comerciais poderosos e actuantes. 

Mas é possível e é necessário reencontrarmo-nos com a nossa consciência e verificar como vão as nossas compras de Natal e de que modo estamos a resistir ao consumismo, ou a alimentá-lo. 

Para os cristãos, essa reflexão e este jejum impõem-se com uma gravidade acrescida, que emana de um mandamento que é seu património nobre: o dever de amar o outro, quer seja o nosso próximo no espaço e no tempo, quer aquele que nos sucede. Ao fim e ao cabo, este mandamento é o algo mais, que enriquece e completa o conceito de desenvolvimento sustentável – em todo o ano e em todos os anos e, particularmente, neste primeiro Natal do novo milénio. 

Lisboa, 11de Dezembro de 2001
Comissão Nacional Justiça e Paz 

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