Público - 1 de Dezembro

Esta Apagada e Vil Tristeza... 
Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

E pronto: lá estamos de regresso a casa. Depois de dois meses de inquietação em que fomos formigas na multidão do grande mundo, eis que voltamos a cair, desamparados, no nosso pequeno - minúsculo - mundo. 

E que pequeno, mesquinho, previsível, deprimente, ele é. E que triste semana a que vivemos, e que tão mal acabou. 

Por pano de fundo, as autárquicas, a cacafonia dos candidatos, a ausência da mínima exaltação cidadã, o desfile de vaidades antigas, dinossáuricas, as pequeninas ambições dos novos, o cansaço de candidatos que preferiam não ser candidatos, o histerismo dos que têm pânico de perder, a repetição "ad nauseum" das mesmas promessas, os slogans vazios, os cartazes das fronhas feias, tudo um desfile de horrores a que poucos escapam (há raros e pálidos faróis nesta escuridão de breu) e que a quase todos deixa alheados. 

No Parlamento previa-se uma tragicomédia - a de um novo orçamento limiano, agora travestido de orçamento do "mundo rural" - e acabámos por ter uma tragicomédia, uma farsa e um drama, tudo pífio e provinciano, sem grandeza nem moral. 

O orçamento foi a tragicomédia. Nele ninguém, realmente, acredita. Nem sequer homens de fé assumida. Servirá para entreter até ao próximo rectificativo. Tem mais rigor do que o apresentado e votado o ano passado, mas não tem mais credibilidade porque se sente que é impossível de cumprir. A votação, de desenlace conhecido e rito já visto, poderia ter sido apenas uma soporífera obrigação, mas revelou-se uma farsa lúgubre - a do sequestro de um Parlamento inteiro, sem autorização para uma ida à casa de banho ou um cigarrinho. 

Falhos de coragem ou discernimento para separar o essencial do acessório na crise da votação de Lei de Programação Militar, prisioneiros do mais rasteiro populismo, os deputados votaram artigo a artigo, horas a fio, entre aflições de bexiga e crises de carência tabágica, ressonadelas e um só grito de indignação, o de Manuel Alegre. Apenas sofreram o que mereceram, pois são os primeiros responsáveis da sua cobardia, os primeiros culpados de preferirem a demagogia à democracia. A farsa não chegou por isso a ser comédia, antes espectáculo triste e penoso. 

O pior estava, no entanto, reservado para o fim. Já com contornos de drama, algum choro e suficiente ranger de dentes, os deputados sucumbiram à tentação de Baco, o mesmo à dizer ao lobby do vinho. Torceram a espinha em nome do mais rasteiro cálculo eleitoral e, sem pudor, encenaram o jogo duplo: o Governo mostrava-se indignado pela reviravolta parlamentar, o grupo parlamentar do PS mostrava-se sensível aos argumentos do vinho - o tal vinho que, segundo Salazar, dava de comer a um milhão de portugueses... 

Não se pode imaginar pior mensagem para um Parlamento enviar à sociedade do que, ao volante, beber não faz mal - pois foi essa a mensagem que enviou. 

Não se pode imaginar mais hipocrisia do que a do primeiro ministro, pela frente indignado, por detrás combinando com os deputados os pormenores do golpe parlamentar. 

Não se pode imaginar maior desnorte de uma liderança partidária do que, em nome de tentar conquistar algumas pequenas câmaras do interior, alienar votos nos meios urbanos e mais instruídos, entre todos os que já não suportam o contorcionismo como forma de Governo e o malabarismo como atitude de vida. 

Triste país este onde os seus mais altos responsáveis dão estes exemplos, sombrios dias estes em que apenas apetece lamentar a apagada e vil tristeza em que caímos. Maldito regresso a casa.
 

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