Público - 24 Dez 03

A espera(nça)

Em tempo de Natal, o país tem sido confrontado com a questão da vida. Do direito à vida. Nesta civilização com mais de 2000 anos, o ponto de partida para a dignidade e igualdade de todas as vidas humanas radica, histórica e cientificamente, na declaração de um homem. O qual marcou de tal forma o rumo da história que, de sete em sete dias, se celebra o "Dominica", Dia do Senhor.
Há 2000 anos, pela primeira vez na história do pensamento, foi afirmada a igualdade na dignidade e liberdade de todos os homens. Discutir o que é homem foi a aprendizagem de séculos. Feita esta discussão, de avanços e recuos, tem havido a preocupação de plasmar em letra de lei a sua consagração, nas já muitas declarações de direitos do homem e, nos últimos tempos, jurisdicionalizada através da criação de tribunais de direitos do homem.
Porém, assiste-se ainda a um preconceito enquistado, em alguns pensamentos onde a dignidade humana parece admitir homens menores. Mas, como se trata de uma questão de civilização, importa não se perder, não vá a moda pegar...
Refiro-me à vida intra-uterina. Pergunto:
-O ordenamento jurídico protege toda a vida humana?
-A ordem jurídica consagra, com a mais alta protecção (Direito Penal), a inviolabilidade da vida humana?
Esta é a questão.
-A vida intra-uterina pode ser destruída?
-Quem é o dono da vida intra-uterina?
-A vida intra-uterina pode ser comercializada?
Estas as questões.
Falar do aborto como um direito da mulher é uma mentira. Antes da mãe está o filho. O direito que se arroga a mãe nasce da gravidez. Só há gravidez porque há filho.
O povo português em 1998, chamado ao referendo, disse - a Lei Penal não se altera.
Digo isto porque:
1° -A abstenção indica, técnica e juridicamente, a manutenção da lei referendada;
2°- A maioria dos votos expressos disse "não".
São factos!
A análise constitucional foi unânime à época, feita pelos nossos melhores constitucionalistas.
Em matéria de Direito Constitucional, a opinião de Eduardo Prado Coelho "tem a considerável vantagem de poder dizer o que quiser" porque no mundo do Direito "ninguém o conhece".
Falo da opinião, não falo de pessoas, porque essas são todas igualmente dignas. Não distingo os portugueses, como eu, que "ninguém sabe quem é", dos outros que se arrogam de primeira, e mais doutos, seguramente. Em democracia, o poder está no povo (art.1° e 3° da Constituição da República Portuguesa). O poder não é de uma minoria de iluminados que de forma autoritária põem e dispõem a seu bel-prazer, mesmo contra a cultura da civilização a que pertencem... o Humanismo.
A liberdade, essa característica intrínseca ao ser humano, é mesmo de todos os homens em todos os momentos. Ao Estado cabe proteger os mais fracos, para que também eles possam usufruir da liberdade.
É pela liberdade que é Natal!
ISILDA PEGADO,
DEPUTADA À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

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