Diário de Notícias - 29 Dez 03
Minuta
João César das Neves
Portugal sofre graves problemas nos sectores sociais. A justiça, saúde,
educação, segurança social, forças de segurança e tantos áreas essenciais
da vida nacional têm sérias dificuldades de funcionamento. Os contornos
são diferentes em cada uma delas, mas todas padecem de grandes limitações
e falhas.
Um dos movimentos mais interessantes e promissores no sentido de colmatar
essas deficiências é a realização de congressos de profissionais desses
sectores. Recentemente realizou-se o Congresso da Justiça, mas já outros
equivalentes se tinham organizado noutros âmbitos, e muitos mais se irão
certamente seguir. Como contributo para essas valiosíssimas iniciativas, o
Diário de Notícias fornece hoje uma minuta para redigir as conclusões
desses encontros. Os parágrafos seguintes podem servir de base e
inspiração para a elaboração dos documentos finais. Para tanto, basta
substituir o termo XXX pelo nome do sector correspondente (saúde,
educação, etc.).
«Os profissionais do sector de XXX reunidos em congresso querem tornar
públicas as suas reflexões, no sentido de melhorar a prestação dos
serviços que presta este sector indispensável da sociedade, para bem de
toda a comunidade e progresso do País. Nós afirmamos que somos o núcleo
fundamental, a verdadeira essência do sector da XXX, sistema essencial e
basilar da sociedade e dos cidadãos. Somos nós, no dia-a-dia da nossa
actividade, que o pomos a funcionar, que o operamos, que lhe damos
existência e identidade. Numa palavra, nós somos o sector de XXX».
«Afirmamos também que o sector de XXX está numa crise terrível. Funciona
mal, não cumpre as suas responsabilidades, custa caro, desperdiça
recursos, não satisfaz a sociedade e os cidadãos. Mas isso já não somos
nós. A culpa da crise do sistema não tem nada a ver com os profissionais
do sector, que somos nós, e que o põem a funcionar, o operam, lhe dão
existência e identidade. Nós somos o sistema, mas não somos a crise do
sistema. A culpa é toda e apenas dos outros. É muito importante que a
sociedade compreenda isto».
«Os culpados da crise são vários e exteriores ao sistema. Em primeiro
lugar, os políticos. A culpa do mau funcionamento do sistema de XXX é dos
sucessivos ministros de XXX. Os profissionais do sector não têm culpa
nenhuma. Os ministros estão de fora e vão passando, os profissionais do
sector estão por dentro e são sempre os mesmos. Mas a culpa da crise é dos
ministros e não dos profissionais. É muito importante que se compreenda
isto».
«Além disso, a crise é culpa dos utentes, da sociedade e dos cidadãos
(aqui propõe-se a inclusão de uns parágrafos específicos a cada sector,
explicando como a culpa da má educação é dos alunos, a da má saúde é do
doente, a da má justiça é dos queixosos, a das más polícias é das vítimas,
conforme o caso). É essencial que se entenda isto.
«Mas felizmente temos a solução. Os profissionais do sector reunidos em
Congresso sabem como resolver o problema. Os recursos financeiros
orçamentados e os investimentos previstos para o sector de XXX são
manifestamente insuficientes. Por isso a solução é que os ministros e a
sociedade (que são, como se viu, os culpados da crise) nos dêem mais
recursos a nós, que somos o sistema e, sem culpa, o trouxemos ao estado
actual de crise». Adicionem-se referências salteadas ao Estado
democrático, à Constituição e aos direitos humanos a gosto.
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