Público - 3 Fev 04
"A Europa Precisa de Reencontrar o Espírito de Família"
Por TERESA DE SOUSA
"É preciso encontrar um novo Jacques Delors". Com esta frase, que pode
ouvir-se hoje nas várias línguas da União Europeia, o antigo
primeiro-ministro português, Aníbal Cavaco Silva, prestou talvez a maior
homenagem possível ao homem, sentado ao seu lado, que presidiu à Comissão
Europeia de 1985 a 1995. Uma década que Cavaco Silva considerou como "os
anos mais bem sucedidos da história da União Europeia". Já Delors defendeu
que o que a Europa precisa é de "reencontrar o espírito de família".
Jacques Delors veio a Lisboa para participar num seminário organizado pelo
BCP/Millenium sobre o alargamento da UE e para lançar o seu último livro
de memórias, editado em França no ano passado. Coube ao antigo
primeiro-ministro, cujo mandato em Lisboa coincidiu com o de Delors em
Bruxelas, falar do autor e falar da sua obra política à frente da
Comissão.
A cerimónia decorreu no Centro de Informação Jacques Delors, que os dois
inauguraram em 1995. Cavaco agradeceu-lhe o facto de ter escrito e
publicado as suas memórias ("Mémoires", editado pela Plon, 500 páginas,
que a Bertrand promete editar em Portugal em Maio). "São um contributo
fundamental não apenas para conhecer o percurso de homem de Estado, mas
para compreender as dificuldades e os problemas do projecto de construção
europeia".
Cavaco disse também que, nove depois de ter abandonado Bruxelas, continua
a encontrar no antigo presidente da Comissão "uma das vozes mais lúcidas
que hoje podemos ouvir."
O antigo chefe do Governo português não poderia deixar de recordar também
os momentos em que Delors foi determinante para o rumo da integração de
Portugal no quadro europeu, a partir de 1986. Começou por lembrar que se
lhe deve a introdução da ideia de solidariedade como um dos três pilares
fundamentais da União, ao lado do mercado único e da moeda única, que se
traduziu no princípio da coesão económica e social. Depois recordou as
quatro negociações em que ele próprio esteve envolvido e em que Delors foi
decisivo para o bom resultado final: na obtenção de um programa especial
de apoio à indústria portuguesa (o célebre PEDIP), em 1988 - na página 241
das suas memórias, Delors recorda, aliás, "a audácia que o acometeu" ao
propor mil milhões de ecu para apoiar a indústria portuguesa; nas
negociações que levaram ao reconhecimento das especificidades da
agricultura portuguesa, na reforma da PAC levada a cabo nesse mesmo ano;
no programa extraordinário de apoio à indústria têxtil e de vestuário na
sequência do Uruguai Round; e, finalmente, nas negociações para os apoios
especiais às regiões ultraperíféricas.
O antigo presidente da Comissão agradeceu e aproveitou a oportunidade para
dizer que o que falta à União não é encontrar um novo Jacques Delors, "é
reencontrar o espírito de família que catacterizava a Europa nesse
momento". E explicou: "Em que os grandes tinham a sabedoria de escutar os
outros."
Mário Soares estava na assistência. Delors ilustrou esse "espírito de
família" com um episódio do qual o antigo Presidente português foi também
protagonista, na altura em que ainda decorriam as difíceis negociações de
adesão dos dois países ibéricos. "Convidamos os dois primeiros-ministros
de Espanha e de Portugal [Felipe Gonzalez e Mário Soares] para irem ao
Conselho Europeu de Milão [onde se deveria fechar o pacote negocial da
adesão]. Era como se estivessem lá desde sempre", recordou Delors,
acrescentando que este episódio é "o melhor elogio que se lhes pode fazer
a eles e aos que os recebiam."
Na sala do Centro Jacques Delors viam-se muitas das caras que, nos
governos de Soares e de Cavaco, negociaram a entrada de Portugal e,
depois, viveram os primeiros anos da integração.
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