Diário Digital - 25 Fev 04

As Escolas do Paraíso
O mito dos professores que não conseguem ser professores
César de Sousa

O caso dos diplomados pelos cursos superiores que servem, apenas, para formar professores transformou-se num verdadeiro mito urbano. Que se traduz pela asserção (exemplarmente reproduzida pela revista "Visão") de que é errado haver professores que são obrigados a exercer outras profissões ou funções, presume-se que menos dignas como, por exemplo, a de caixa de supermercado.  Como mito urbano que é, a situação já passou à fácil aceitação de que é verdadeira e indesmentível. E não é nem uma coisa nem a outra.

Os diplomados por esses cursos que, sem terem vínculo à entidade patronal (o Estado), ou querem dar aulas ou as deram em situação precária, têm o óbvio direito e a aspiração de quererem ser professores. O problema é que sem alunos não há professores. Ou, então, há o desperdício de recursos que, com todas as vantagens e desvantagens inerentes, acabaria por dar a cada aluno um professor em regime de prática exclusividade. Porque, e mais clara não pode ser a situação, há uma efectiva redução demográfica que reduz o número de crianças e de jovens em idade escolarizáveis.

Por outro lado, a redução da natalidade foi acompanhada, nos últimos anos, por uma deslocação de famílias para zonas periféricas. E se, aí (e não estamos a falar dos subúrbios da Grande Lisboa), faltam professores, toda a gente compreenderá que nem os professores que estão na carreira nem os aspirantes a professores querem suportar o ónus da deslocação ou da fixação noutras paragagens.

É evidente que - como em todos os campos - é legítima a vontade de muitos jovens de quererem ser professores. Mas, à falta de condições objectivas para poderem exercer essa actividade profissional, é necessário pensar em alternativas.

E é aí que deve ser recentrado o debate. E é nesse campo que se deve criticar quem não faz ou quem faz mal. O que acontece com, praticamente, todos os protagonistas desta coisa interminável.

A saber: os responsáveis pelos cursos de formação de professores (respeitáveis universitários e dirigentes do politécnico) foram incapazes de renovar esses cursos, de lhes dar outras utilidades e de alargar as suas saídas profissionais; os responsáveis políticos nacionais só a medo restringem as vagas desses cursos, temendo ter de resolver o problema dos professores que aí se encontram e, no ensino superior do próprio estado, tanto faz que cada professor tenha um aluno ou 50; os responsáveis políticos locais não querem gastar dinheiro a atrair os professores que faltam aos filhos dos seus munícipes; os sindicatos (num dos mais perfeitos exemplos da sua incapacidade de perceberem que a sociedade muda) insistem na confusão; a comunicação social (onde também predominam muitos familiares de professores e de diplomados dos cursos de formação de professores) não distingue e até se pode aceitar que não é obrigada a distinguir...

É por isso que a questão se transformou num mito urbano: toda a gente sabe que o problema existe e tem a mesma percepção dele, ninguém já se preocupa com a sua resolução.

cesardesousa@mail.diariodigital.pt

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