Público - 25 Fev 04
Consumo de Álcool Causa Problemas no Local de Trabalho
Por CATARINA GOMES
O álcool, e em menor medida o consumo de drogas, tem consequências
negativas no local de trabalho, que se traduzem, por exemplo, em
absentismo, conflitos entre colegas e problemas disciplinares, consideram
os representantes de empresas, sindicatos e organizações sindicais
inquiridos no âmbito do "Projecto Álcool e Drogas no Local de Trabalho:
Atitudes, representações sociais e estratégias 2003-2004", da Faculdade de
Economia da Universidade Nova de Lisboa.
O trabalho de investigação, financiado pelo Instituto da Droga e da
Toxicodependência e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, baseia-se
em inquéritos feitos a representantes de 23 grandes empresas (com uma
média de 4103 trabalhadores), a 19 sindicatos e a oito organizações
patronais. As entidades inquiridas foram escolhidas de acordo com o grau
de risco e incluem o sector dos transportes e comunicações, a construção
civil, a indústria química e também os serviços bancários e financeiros.
Cerca de 60 por cento dos inquiridos consideram que o grau de preocupação
da organização com os problemas associados ao consumo de álcool e drogas
no local de trabalho aumentou nos últimos dez anos (data de um inquérito
semelhante); para 30 por cento dos inquiridos, o número de trabalhadores
com problemas associados a estes consumos também subiu na última década,
concluem os dados preliminares do estudo, que será apresentado em finais
de Maio.
Entre as cinco substâncias sobre as quais recai o inquérito (álcool, "cannabis",
cocaína, opiáceos e drogas de prescrição), o álcool é a substância que
causa "muita preocupação" a maior número de inquiridos: são desta opinião
78 por cento dos representantes empresariais inquiridos.
Num inquérito semelhante feito há dez anos no âmbito da Organização
Internacional de Trabalho (dados de 1993), "em Portugal o problema do
álcool era muito escamoteado", refere Orlindo Pereira Gouveia, professor
doutorado da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e
coordenador do estudo. Há dez anos "tendia-se a minimizar o problema, a
aceitá-lo culturalmente e a pensar que as pessoas deveriam ser tratadas
fora da empresa; que seria um problema das famílias, do Governo".
Mas há mudanças de mentalidade. Nos dados, que foram recolhidos em 2003,
"há maior percepção e abertura para responder ao problema do álcool". Há
uma mudança de mentalidade e de consciência do problema. Hoje "o problema
é visto como também sendo da empresa". O inquérito refere que 85 por cento
dos inquiridos discordam da afirmação "não necessitamos de proporcionar
assistência ou serviços, pois tais recursos são proporcionados pelo
Estado". Mas quando se lhes pergunta se a organização deve suportar o
tratamento de um trabalhador e os custos necessários (em parte) são mais
renitentes: em média, respondem que estão de acordo 39 por cento.
Passa a tratar-se de um problema da empresa porque traz "às vezes"
problemas muito concretos ao meio laboral. Entre os representantes de
empresas e sindicatos, 68 por cento associa o consumo de álcool à
"diminuição de rendimento"; 60 por cento associam-no a conflitos entre
chefia e trabalhadores; 56 por cento ligam-no ao absentismo, a atrasos e a
intoxicação no trabalho. É causa de problemas disciplinares para 53 por
cento dos inquiridos, motivo de acidentes e lesões no trabalho para 43 por
cento, um pouco menos (42 por cento) vê no álcool razão para motivação
reduzida, violações da segurança e conflito entre colegas (40 por cento) e
despedimento/rescisão de contrato para 37 por cento dos representantes
empresariais e sindicais.
Quanto às respostas efectivas ao problema, metade dos inquiridos afirma
que as respostas aos consumos de álcool, drogas ilegais e prescritas deve
passar por "procedimentos de saúde e bem-estar", só cerca de 20 por cento
apontam para respostas em forma de "procedimentos disciplinares". Nas
empresas, 61 por cento afirma já ter uma política escrita sobre álcool e
drogas, sendo que 35 por cento destas políticas incidem só sobre o álcool.
O estudo vem realçar uma evidência que contraria a imagem pública dos
toxicodependentes de rua: "A maior parte das pessoas que usam droga e
álcool estão correntemente empregadas", nota Orlindo Gouveia Pereira.
"Este tipo de consumos em meio laboral é abafado. As empresas acham que
lhes prejudica a imagem, metem a cabeça na areia", refere Jorge Pires.
Paulo Vitória e Carina Quaresma são os outros dois autores do estudo.
Orlindo Gouveia Pereira refere que o álcool "é uma preocupação nacional
importante" sem tradução no investimento directo: das três
toxicodependências gasta-se mais na droga, menos no tabaco e menos ainda
no álcool - no entanto, estima-se existirem um milhão de abusadores de
álcool (750 mil alcoólicos crónicos), 45 mil toxicodependentes e 3,5
milhões de fumadores.
Há medidas simples de prevenção no local de trabalho que se podem tomar,
afirma Orlindo Gouveia Pereira. Na Marinha, por exemplo, incluía-se vinho
às refeições, há alguns anos substitui-se por refrigerantes e o consumo de
álcool desceu 40 por cento, comenta o investigador.
Mas há também a questão de verificar se o próprio "stress" laboral conduz
a estes consumos. Quase metade dos representantes das empresas (47 por
cento) consideram que "a organização tem exigências de trabalho e níveis
de 'stress' que podem contribuir para o desenvolvimento de problemas com
álcool e drogas ilegais". Orlindo Gouveia Pereira não tem dúvida de que os
melhores antídotos para o "stress" laboral são uma liderança correcta e
boas condições de trabalho.
São 95 por cento os inquiridos das empresas que respondem que estão "de
acordo" ou fortemente de acordo" com a afirmação de que "a organização
[que representam] considera que os problemas de trabalho resultantes do
álcool e drogas ilegais causam custos significativos". [anterior] |