Público - 25 Fev 04

Ajuda de Berço Continua a Dar Colo a Bebés em Risco
Por R.R.

Na associação Ajuda de Berço, em Lisboa, há 20 bebés que partilham uma mesma sala de jogos, uma enorme quantidade de brinquedos coloridos e quartos com berços, cortinados e corações azuis. Mas cada bebé tem o seu par de sapatos, a sua chucha, a sua escova. E um brinquedo só seu - o mesmo que levará consigo quando sair da instituição.

"As crianças só saem quando há um projecto de vida seguro para elas. Desde que o tribunal nos entrega as crianças, começamos a definir um projecto de vida, que pode passar pelo regresso à família biológica ou pela adopção", explica Sandra Anastácio, fundadora e directora da Ajuda de Berço, centro de acolhimento para bebés em situação de risco ou abandono.

Foi a esta instituição que o PÚBLICO doou, na semana passada, um cheque de mais de 4 mil euros resultante das vendas do livro da Colecção Mil Folhas, "Gloria in Excelsis - Histórias Portuguesas de Natal", contos portugueses organizados por Vasco Graça Moura.

No rés-do-chão de um prédio em Alcântara, 35 profissionais e 40 voluntárias, "que ajudam a dar o colo na vida cá de casa", são o corpo da Ajuda de Berço que está 24 horas por dia, 365 dias por ano em "alerta". Isto porque estamos a falar "de crianças dos zero aos três anos". São "muito frágeis", e todo o cuidado é pouco. As lotações estão sempre esgotadas. Há uma lista de espera, mas há prioridades: "É a condição em que a criança se encontra que determina a sua entrada na casa - os mais pequeninos primeiro."

Tudo começou em 1997: um grupo de amigos decidiu meter "mãos à obra" e criar a Ajuda de Berço. A Câmara Municipal de Lisboa cedeu o espaço e "com 25 mil contos e um objectivo forte" fundaram a instituição em 1998. As crianças começaram a chegar em Março de 1999. "Tínhamos todas as condições reunidas", diz, "e desde então não temos parado".

A segunda casa da Ajuda de Berço em Lisboa abrirá ainda este Verão, em Monsanto, com capacidade para outras 20 crianças. Ao todo, desde a fundação, já passaram pela Ajuda de Berço 81 bebés: 67 já saíram (mais de cinquenta por cento para a família biológica; o restante foi para adopção).

Por ano, precisam de 70 mil contos para manter a casa. Desde 2000, 25 por cento das despesas são suportadas pelo Estado, o resto é angariado pela sociedade civil.

Para Sandra Anastácio, não importa o valor do cheque. "O importante é a nossa responsabilidade para com as crianças, garantir um melhor acolhimento, um projecto de vida mais seguro." Este cheque do PÚBLICO servirá para pagar aos funcionários. "Papas, fraldas, comida acabam sempre por chegar. O dinheiro é o mais difícil. A qualidade aqui dentro dá-se com colo. As crianças são muito pequeninas, o voluntariado é uma grande ajuda. Vamos juntar este dinheiro ao nosso mealheiro e usar para pagar ordenados. Pagar colos."

Ensinar as mães a gostar dos filhos
"Nos últimos anos, há cada vez mais a necessidade de retirar crianças das famílias e ajudar as próprias famílias, sem casa ou sem emprego", diz Sandra Anastácio, que também é socióloga. A maioria dos casos da Ajuda de Berço deve-se à "pobreza extrema e à exclusão social": "É o valor de família que se vai perdendo. Os pais não conseguem fazer face às dificuldades e decidem pedir ajuda enquanto se organizam. É assustador."

Não há uma regra comum: "Nem todas as crianças sofreram abusos sexuais ou violência", diz. Por isso, a Ajuda de Berço não é só um "lar" para crianças. É também uma instituição em que há um processo de acompanhamento das famílias. Os pais podem visitar os filhos - a instituição ajuda-os "a cuidar deles, a dar-lhes banho, de mamar". Porque às vezes, diz, "é preciso ensinar as mães a gostar dos filhos".

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