Público - 9 Fev 08
Um ano de aborto livre
José Paulo Areia de Carvalho
Perante tanto fervor abortista, mais cedo do que
seria de esperar o país se dará conta do enorme erro
que cometeu
Faz agora um ano que, com a vitória do "sim" no
referendo, se liberalizou o aborto em Portugal. Os
defensores do aborto - agora penso que já assumem
que o são - tiveram, finalmente, o que tanto
desejavam. Julgo que esta data devia impor-nos a
todos uma reflexão serena.
Antes de mais, cumpre esclarecer que continuo a
defender que o aborto, porque põe fim a uma vida
humana, deveria manter-se como um acto genericamente
proibido por lei (salvo os casos excepcionais que
consubstanciam exclusão da ilicitude da sua
prática). Não faço nenhum juízo de valor, menos
ainda de condenação, sobre quem já abortou, mas isso
não me impede de considerar o recurso ao aborto como
um gravíssimo erro. Estou convencido de que, com um
pouco de ajuda, teria sido possível encontrar uma
solução que poupasse a vida do filho e,
simultaneamente, fosse bem mais eficaz para a vida
da mãe.
Não quero reproduzir aqui o velho argumentário
pró-aborto, mas apelo à memória de todos:
seguramente que sentimos que entre o discurso
pré-referendo e a prática pós-referendo vai uma
enorme diferença... Destaco somente dois argumentos
antes usados: o aborto livre era necessário para,
por um lado, acabar com a humilhação e o abandono
das mulheres e, por outro, para pôr fim ao negócio
do aborto clandestino.
O que nos revelou a prática pós-liberalização total
do aborto? Que as mulheres, alvo preferencial da
preocupação propagandística dos defensores do
aborto, foram por estes completamente abandonadas
depois do dia em que abortar passou a ser um acto
livre. É lamentável, mas era expectável e até
coerente; no fundo, a solução já fora encontrada:
basta a grávida que sofre recorrer ao aborto, que
aliás é livre e oferecido pelo Estado. Mais ajuda
para quê?
É sintomático que, ainda hoje, quando se fala de
apoios a grávidas que atravessam dificuldades, só
sejam conhecidos aqueles que são prestados pelos
movimentos pró-vida. Exactamente os mesmos que, por
ocasião do referendo de 1998, começaram a trabalhar,
quase sempre em regime de puro voluntariado, e que
ainda agora, mesmo após a mudança da lei, se mantêm
ao serviço das mães e das grávidas que atravessam
dificuldades. Não têm soluções milagrosas para todas
as situações, mas tentam ajudar na construção de um
projecto de futuro, que dê sentido à vida daquela
mulher e à vida dos seus filhos.
Com os defeitos que tem qualquer generalização, a
verdade é que as circunstâncias, agora, permitem
concluir que o que distingue os defensores do "sim"
dos defensores do "não" é o facto de os primeiros
serem mesmo a favor do aborto e os segundo serem
mesmo a favor da vida. Por isso, perante a
liberalização do aborto, aqueles acomodaram-se por
já terem o que desejavam, enquanto estes, bem
cientes que a defesa da vida é um combate de sempre,
continuaram a trabalhar da mesma maneira, apesar da
mudança radical do sentido da lei.
Acresce que o actual regime, ao impedir a grávida
que equaciona abortar de ser recebida por um médico
objector de consciência ou de realizar uma simples
ecografia, antes da tomada de decisão, está a
promover um consentimento que não é informado e,
precisamente por isso, é tudo menos verdadeiramente
livre. Ou seja, abortar passou a ser verdadeiramente
um direito cuja prática não pode, sequer, ser
dissuadida.
Por isso, os números da prática do aborto têm vindo
a aumentar nestes poucos meses e o negócio abortista
está florescente, com clínicas privadas a terem
elevadas taxas de sucesso. Tudo isto perante o
silêncio cúmplice daqueles que se diziam contra o
aborto e contra o negócio que este, segundo
garantiam, antes envolvia. O aborto deve ser mesmo o
único negócio privado que a esquerda radical vê com
muito bons olhos e cujos lucros não lhe causam
incómodo absolutamente nenhum!
Estou certo de que, perante tanto fervor abortista e
tanta incoerência, mais cedo do que seria de
esperar, o país se dará conta do enorme erro que
cometeu. Deputado do CDS