Expresso - 27 de Janeiro

Quando a escola choca com a sociedade 

A ESCOLA navega em contramão relativamente à sociedade. Isabel Pires de Lima, deputada do PS e professora universitária, diz que valores como o direito à diferença e a tolerância entram em contradição com a prática da vida com que os alunos se confrontam todos os dias. «É mais um problema que os professores têm de encarar. Como se estivessem a falar de coisas que não existem».

Os problemas da violência escolar - discutidos na quarta-feira no Parlamento, que viu todas as bancadas aprovarem, na generalidade, um projecto de resolução do PSD com medidas de combate à violência escolar - «são localizados e revelam uma tendência para o abaixamento da idade dos indivíduos que estão na sua origem (entre os 10 e 15 anos, dos 2º e 3º ciclos do ensino básico)», diz a parlamentar. Eles acontecem, principalmente, nas áreas do Grande Porto, Grande Lisboa e Setúbal.

Mas, como se mede a degradação das condições do ensino e com que medidas se inverte a tendência? O EXPRESSO contactou partidos políticos e parceiros sociais e esboça um quadro dos principais pontos.

Dados do programa «Escola Segura», relativos a 98-99, levam a deputada do PS a falar «dos 70% dos estudantes do ensino básico que declaram gostar da escola» para tentar demonstrar que se pode cair num «alarmismo» e num «sentimento de insegurança injustificado» quando se fala de fenómenos suburbanos das duas grandes cidades do país. Mas o PS reconhece os erros dos últimos anos. A «escola democrática valorizou uma pedagogia de permissividade e hoje está com dificuldades em estabelecer uma relação baseada no respeito». O gabinete de imprensa do Ministério da Educação afirmou que os dados de 2000 não estão tratados. 

Telmo Correia, deputado do PP, afirmou que o seu partido vai apresentar projectos de resolução sobre o regulamento de disciplina, funcionamento do Observatório sobre Violência e da criação de um fundo estatal para fazer face a obras nas infra-estruturas escolares. 

A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) encara a situação como «preocupante» mas recusa a palavra «alarmante». A massificação do ensino, a chegada de crianças que se sentem desajustadas com a linguagem padronizada dos professores, as grandes turmas (por vezes com 30 elementos nos primeiros 4 anos de escolaridade), a falta de espaços de lazer e a inversão de valores estão na origem da indisciplina e da violência, defende Paulo Sucena, daquela federação.

Cada criança é um caso

Por outro lado, muitos miúdos desvalorizam a escola, decalcando o exemplo que têm em casa. «As crianças têm ritmos de aprendizagem diferentes. Por isso é necessário haver currículos diferenciados e adequadas à realidade da turma», afirma Paulo Sucena, salientando que «não há crianças condenadas à partida». Manuela Teixeira, responsável da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação - a estrutura de classe rival da Fenprof - diz que «nunca como hoje os professores se sentiram tão angustiados com as situações de violência física». 

A dirigente lembra a necessidade de apostar em «espaços alternativos à escola, onde os alunos se sintam motivados para passar o tempo entre o fim das aulas e o regresso a casa». Miguel Mendes, responsável pela Confederação das Associações de Estudantes do Secundário, acha desejável uma escola mais humanizada, que pudesse ser uma «segunda mãe», «ou mesmo uma primeira, para aqueles que não têm qualquer ambiente familiar, como sucede com muitos filhos de prostitutas e toxicodependentes».

Os professores da FNE dizem que a escola não tem pessoal especializado para actuar preventivamente ao mínimo sintoma problemático nem leis que assegurem «uma cidadania efectiva», ou seja, «que permitam entender que não há direitos sem deveres». 

«A escola inclusiva de várias culturas e camadas sociais originou que surgissem vivências para as quais não estava preparada», sustenta a Confederação Nacional das Associações de Pais.

A.H./M.C.
 

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