Público - 30 Jan 04
"Facilitismo" na Educação
Tomando consciência dos resultados medíocres nas provas aferidas de 2002,
a temática da educação retornou à praça pública. Uma média de 33,5 por
cento, numa escala de zero a 100, foi a classificação de mais de 116 mil
alunos do 6º ano que, em Maio de 2002, realizaram as provas de aferição.
Recorrentemente, as disciplinas de Matemática e de Língua Portuguesa
emergem como as maiores preocupações, dado o seu valor estruturante e
determinante para a construção do saber.
Como professor de Matemática do ensino básico, comungo da maioria dos
sentimentos decorrentes deste estado de coisas. Além daquilo que já
sucede, nomeadamente no exercício diário das nossas funções docentes,
reconhecemos que a factura será muito alta para qualquer sociedade.
Portugal não será excepção.
No tratamento desta matéria tem sido aduzido o declínio do ensino a partir
dos anos 80, a ausência do valor da memória na aprendizagem, as constantes
reformas, as novas tendências, as adaptações conceptuais, etc., etc. O que
se pode dizer é que estamos perante um problema manifestamente estrutural
que ultrapassa a responsabilidade específica de um ministro da educação.
Recentemente, reflectia com os meus alunos do 9º ano de escolaridade
acerca da sua própria postura de desinteresse, de não envolvimento nas
actividades propostas, na ausência de esforço e de trabalho em relação ao
conteúdos leccionados. Foram unânimes em reconhecer que essa situação
ocorria, que era perfeitamente verosímil, e que as causas entroncavam
substancialmente nos sinais que o próprio sistema educativo, ao longo do
ensino básico, tinha inequivocamente concedido. Nas suas próprias
palavras, o sistema educativo português tinha dado indicações claras em
relação ao empenho, responsabilidade e exigência requeridos. E por
manifestar uma complacência e indulgência tão vincadas, os alunos
retiraram as suas ilações legítimas. Uma aluna apontou o seu próprio
exemplo pessoal: "'Stôr', estou no 9º ano e pouco ou nada fiz para aqui
chegar! No ano passado, tive oito negativas no segundo período, passei
todo o ano a brincar e a nada fazer, e mesmo assim, passei de ano! Qual a
razão para esforçar-me agora?!"
Na verdade, um sistema que permita circunstâncias desta estirpe nunca
conseguirá promover, junto dos educandos, a atitude fundamental que o
trabalho associado ao ser estudante incorpora. O clima de "facilitismo",
de ausência de rigor e a não existência de uma atmosfera que incremente a
responsabilidade são ingredientes perniciosos na educação. Também é de
apontar que o valor de aprender, do saber, encontra-se numa posição muito
baixa na hierarquia de valores na sociedade portuguesa contemporânea.
Com estas debilidades profundas na área educacional, mormente no aspecto
específico do ensino, a sociedade tem sido profunda e nefastamente
afectada. As consequências são transversais. As repercussões são
titânicas. O que assalta o meu espírito é que o pagamento desta factura
negra está ainda no início!
Eduardo Nuno Fonseca, professor do ensino básico
Vialonga
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