Público - 02 Jan 08
Copo meio cheio, copo meio vazio
José Manuel Fernandes
A mensagem de Ano Novo do Presidente
da República é um quase perfeito contraponto à de
Natal do primeiro-ministro. Não foi uma resposta,
mas, em vez do optimismo sem reticências de Sócrates,
Cavaco preferiu acrescentar um "mas" a cada um dos
sucessos governativos e trocou a euforia pela
exigência. Com excepção do elogio à presidência
portuguesa da União Europeia, onde não poupou
adjectivos, o Presidente preferiu sempre sublinhar o
caminho que falta percorrer. Onde Sócrates viu por
norma um copo meio cheio, Cavaco viu quase sempre um
copo meio vazio. Ou nem isso.
A situação da economia melhorou?
Sim, mas não há garantia de que nos estejamos a
reaproximar da Europa. As finanças públicas estão
mais equilibradas? É verdade, mas o desemprego é
preocupante e muitas famílias empobreceram. Há mais
jovens a estudar? Ainda bem, mas é bom não esquecer
os níveis de exigência na avaliação dos alunos.
Vamos receber mais fundos em 2008? Sem dúvida, mas
isso é só uma oportunidade a não desperdiçar e
deve-se actuar com transparência. Há novas leis para
melhorar o funcionamento do sistema de justiça? Há,
mas os cidadãos ainda não sentiram grandes
diferenças.
Se nestes pontos o Presidente deitou
alguma água fria no calor do entusiasmo
governamental, noutros enviou recados claros. É
preciso dialogar mais, ou seja, é bom reduzir o
nível de crispação. É necessário que se perceba que
os cortes no Serviço Nacional de Saúde não
prejudicam os utentes. É importante dar mais atenção
à baixa taxa de natalidade e à alta sinistralidade.
E não se pode ignorar o despovoamento e
envelhecimento do interior.
Tal como há um ano, a mensagem do
Presidente não foi inócua. Menos pelo seu tom, que
ainda se manteve optimista e positivo, mas pelo
contraste com a do primeiro-ministro. Foi terra a
terra, próxima do sentimento do cidadão comum, que
mais depressa se reconhece no país descrito por
Cavaco do que no imaginado por Sócrates.