Público - 26 Jul 04
População da Alemanha em declínio preocupante
Economia Alemã Precisa de Mais Crianças
Apesar do abono de família elevado, a Alemanha continua a exibir uma
das taxas de natalidade mais reduzidas do mundo. Confrontado com um
país de "dinkies", o Governo alemão tenta inverter a tendência
injectando mais dinheiro na educação infantil
Helena Ferro de Gouveia, Frankfurt
"O que nós precisamos para que a Alemanha volte a ter crescimento
económico e bem-estar é muito simples: têm de nascer mais crianças."
Este é o diagnóstico traçado por Ristau Winkler, chefe de gabinete
do Ministério da Família alemão. A Alemanha está-se a transformar a
passos largos num país de "dinkies" (acrónimo para a expressão
inglesa "double income, no kids", reflexo de um casal com dois
salários e sem filhos) em envelhecimento, facto que ameaça a
sustentabilidade do sistema de pensões e funciona como um travão à
dinamização da economia.
Os políticos alemães não seriam alemães se não andassem há décadas a
falar dos males da política de apoio à família e esquadrinhá-la
minuciosamente, sem se empenharem com seriedade na resolução dos
problemas concretos. Não causa surpresa a ninguém que os peritos
arrasem por completo o que (não) foi feito neste domínio. Apesar da
Alemanha ser o segundo país da Europa com o abono de família mais
elevado - 154 euros por dependente, 179 euros a partir do terceiro
filho - a taxa de natalidade situa-se em 1,29 por cento, com
tendência decrescente. Num recente relatório do Ministério da
Família, apontava-se o facto de o número de mulheres que desejam ter
filhos estar em queda na Alemanha. O como se pode compreender este
fenómeno complexo?
Há um conjunto de explicações que podem ajudar a encontrar uma
resposta. Começando pela estatística: uma em cada cinco crianças na
Alemanha vive abaixo do limiar da pobreza; as crianças são o factor
de risco número um para cair na pobreza; as famílias dispõem de
menores rendimentos do que os casais sem descendentes; as famílias
monoparentais dispõe de metade do rendimento médio alemão. É
precisamente para evitar a descida abrupta do nível da sua qualidade
de vida que as mulheres melhor qualificadas prescindem da
maternidade a favor da carreira - 40 por cento das mulheres com
formação académica considera os filhos como entraves graves ao
futuro profissional.
Maternidade e trabalho não combinam
Não se pense que esta atitude resulta de puro calculismo. Na
Alemanha existem creches e infantários para apenas 2,7 por cento das
crianças com menos de três anos - ou seja, quem tem uma criança
pequena ou fica em casa ou opta pela dispendiosa alternativa da "Tagesmutter",
a ama que cobra entre cinco e 10 euros por hora, o que na mais
barata das hipóteses, se a mãe trabalhar a tempo inteiro, representa
uma despesa de 800 euros mensais. Se agora a lei já contempla a
obrigatoriedade de um lugar no infantário para crianças com mais de
três anos, persiste um grande senão: a maioria destes
estabelecimentos tem horários rígidos, funcionando quatro a cinco
horas por dia, e aqueles que estão abertos todo o dia encerram às
16h30 (e muitos deles, por uma especificidade germânica, à
quarta-feira fecham às 14h00).
O panorama não se altera na escola primária, onde as aulas terminam
em geral às 12h00. "Se as mulheres entre os 29 e os 34 anos desejam
pelo menos duas crianças, mas em média uma em cada três mulheres no
final dos trinta anos não tem filhos, então alguma coisa está
errada", constata a ministra da Família, Renate Schmidt. Por outras
palavras, é um exercício quase impossível para as mulheres conciliar
emprego e vida familiar: só cinco por cento das mulheres com filhos
trabalham a tempo inteiro na Alemanha. Os peritos são unânimes a
afirmar que o número de nascimentos só crescerá quando se criarem
condições que assegurem a compatibilidade entre família e profissão.
Embora o Governo alemão gaste anualmente, de acordo com dados do
Ministério das Finanças, 88,5 mil milhões de euros para apoiar as
famílias, três quartos desta verba são ajudas directas e benefícios
fiscais, ao contrário do que sucede nos países com maior taxa de
natalidade, onde o grosso da despesa se destina às infra-estruturas
que acolhem crianças. É precisamente esta inflexão que Renate
Schmidt pretende implementar: criação de mais creches e infantários
para bebés e crianças em idade pré-escolar e aumento da rede de
escolas abertas durante todo o dia. As parcerias entre o sector
público e privado também têm vindo a ser desenvolvidas - existem
actualmente 63 dessas alianças e 167 estão em preparação - e a
Confederação da Indústria alemã (BDI) elegeu como uma das suas
prioridades a política para a família, dado a sua importância para a
competitividade económica da Alemanha. [anterior] |