Público - 31 Jul 08

 

Optimismo, falta dele, confiança e também ignorância
José Manuel Fernandes

 

Não se transforma o estado de espírito de um país com discursos e power-points.

 

Mas pode-se mudar o país quando se lhe fala verdade e se é claro e coerente no rumo a seguir Otto von Bismarck, o grande arquitecto da Alemanha moderna, disse um dia que a "política é arte do possível". Um dos economistas mais celebrados do século XX, John Kenneth Galbraith, discordava. Para ele "a política não é a arte do possível, antes a capacidade de escolher entre o desastre e medidas impopulares".

 

Ora escolher entre o desastre e medidas impopulares é muito mais difícil do que ir fazendo apenas o possível, sobretudo quando o vento não sopra de feição. E ele está adverso, são raros, muito raros, os que acreditam que as coisas possam melhorar apenas por ir fazendo o possível. Por muito injusto que isso pareça para quem acha que já tinha servido ao eleitorado doses suficientes de óleo de fígado de bacalhau, é muito importante que, numa altura em que os portugueses mostram um elevadíssimo nível de pessimismo - e o pessimismo nem sempre é realismo, é também meio caminho andado para que muitos desistam ou deixem de acreditar em dias melhores -, se enfrente a realidade em vez de a iludir.

 

Muitos políticos crêem que basta repetir palavras de confiança para mudarem o estado de espírito da opinião pública. Que terem sempre uma atitude positiva é o segredo para que à sua volta as coisas corram melhor. E têm razão, mas só em parte. Porque há duas formas diferentes de encarar o optimismo, de se ter auto-confiança (uma das virtudes sem as quais não se pode ser líder).

 

Uma é a autocentrada em si mesmo. Mark Twain falou dela assim: "Tudo o que é preciso na vida é ignorância e confiança - com ambas tem-se sucesso de certeza." Sucesso pessoal, naturalmente.

 

A outra forma de olhar para o optimismo é mais, digamos assim, visceral: "Sinto que sou um optimista; de resto, não me parece que tenha qualquer utilidade ser-se de outra forma." Contudo, o autor desta espécie de auto-retrato foi dos que várias vezes, como político, deu aos seus eleitores notícias bem difíceis de dar. Este optimista é o mesmo que, num dia de Maio de 1945, se dirigiu aos seus concidadãos para lhes pedir o que se julga que não se pede mesmo ao melhor amigo: sangue, suor e lágrimas. Ou seja, Winston Churchill.

 

O que é que torna esta segunda espécie de optimismo diferente daquela que é mais autocentrada e não teme a ignorância? Precisamente a sabedoria. Mais do que a sabedoria: a coragem.

 

Um homem corajoso não é o que enfrenta águas revoltas porque não sabe que estas são fatais: é o que se lança a águas revoltas sabendo que estas podem ser fatais, mas acredita em si e acredita que tem de se lançar a essas águas revoltas em nome de valores superiores. Esse homem, mesmo sendo um político, mesmo podendo disfarçar, mesmo podendo ziguezaguear, conhece o norte e inspira confiança aos que o seguem, porque estes acreditam nele.

 

Por isso é que nos momentos de crise - que são também janelas de oportunidade - as boas lideranças são as que inspiram confiança, as que levam os povos a acreditar que se está a seguir por um caminho difícil, mas que isso é indispensável e há esperança. A diferença, nessas alturas, não se faz com discursos e actos simbólicos; faz-se quando se é capaz de falar verdade, mesmo quando esta é dura.

 

A teoria económica, por exemplo, tem dado muita importância à gestão das expectativas, porque no dia em que os consumidores, os aforradores ou os investidores entrarem em pânico, a economia afunda-se. Só que a gestão das expectativas não se decreta, não se inventa, não se alcança declarando que este ou aquele pequenino passo, mesmo que positivo, é "histórico", ou passando a vida a proclamar que o fim das dores está à vista. O que vale, nesses momentos, é sobretudo a percepção pela opinião pública de que esses pequenos passos, ou até os inevitáveis revezes, a percepção de que os políticos - do governo ou da oposição - que pedem "sangue, suor e lágrimas" também são capazes de os dar e sabem por onde vão.

 

Por outro lado, e voltando a John Kenneth Galbraith, nestas alturas de aflição deve ter-se presente que "o Estado é o tipo de organização que, mesmo fazendo mal as coisas grandes, também faz geralmente mal as coisas pequenas". E coisas pequenas podem ser, por exemplo, meter-se nos domínios da microeconomia.