Público, 11 de Junho 
A Família: Lugar Estratégico para a Mudança 
Por JOSÉ MANUEL DURÃO BARROSO

Acredito na possibilidade de construir uma sociedade de oportunidades a partir do reforço da autonomia das pessoas, das famílias e das diferentes comunidades que nela existem. 

É verdade que na cultura política portuguesa a presença do Estado é obsessiva e que existe muito arreigada na sociedade uma perspectiva excessivamente estatizante. 

Quando entre nós se fala de política pensa-se quase sempre em acções ao nível do Estado ou da Administração Pública, ou mesmo no redutor "microcosmos" da política partidária, mas tende a esquecer-se que a política pode referir-se, desde logo, a uma actuação no próprio âmbito social. 

Entre o estatismo de uns e o individualismo de outros, há vários caminhos possíveis para quem quer uma maior autonomia das pessoas e afirmação das diferentes comunidades. 

Ao contrário do que pensa uma certa esquerda, a resposta ao individualismo não reside apenas no alargamento do papel de intervenção do Estado. 

Ao contrário do que pensa uma certa direita, a resposta ao estatismo não consiste só na maximização dos factores de competição entre as empresas ou os indivíduos. 

As diferentes comunidades, baseadas em mecanismos de solidariedade, podem e devem assumir, na sociedade moderna a que aspiramos, um papel de muito maior relevo protegendo o indivíduo isolado dos abusos do Estado e do carácter aleatório do mercado. 

Se queremos uma sociedade civil mais forte, devemos desde logo valorizar o papel de todas as estruturas e instituições sociais, sendo que de entre elas sobressai naturalmente a família. 

Hoje, escrever ou falar sobre a família não é um exercício desprovido de dificuldades. Apesar de a família continuar a ser vista pelos portugueses como a primeira instituição social, existem a seu respeito muitos preconceitos e complexos de natureza ideológica, os quais tentam por vezes relega-la para o museu das categorias retrógradas. 

Nada de mais errado! 

A família corresponde actualmente a tudo menos a um modelo estanque ou estereotipado. Com efeito, nos últimos trinta anos, mudanças significativas e tensões diversas têm afectado a célula familiar e, mais propriamente, aquilo a que se convencionou designar como família nuclear. Onde ontem estava a homogeneidade, encontramos hoje a heterogeneidade. Alteraram-se as concepções e as práticas familiares, bem como as margens de autonomia individual, aqui com especial incidência no papel socialmente desempenhado pela mulher. 

Muitos dos problemas que são hoje tratados pela "macro política" radicam, afinal, no nível "micro" dos comportamentos sociais. O insucesso escolar, a droga, a criminalidade e a insegurança, a chamada crise da autoridade do Estado, a cultura da indiferença e da irresponsabilidade, estas e tantas outras questões têm em muitos casos que ver, como o demonstram a sociologia e a psicologia contemporâneas, com o próprio ambiente familiar e com o tempo que os pais dedicam aos filhos nos seus primeiros anos de vida. 

O Estado, em todos os âmbitos da sua actuação, tem o dever de reconhecer a especial função da família na sociedade, concebendo e aplicando medidas que lhe são especialmente dirigidas, fomentando uma Educação, uma Saúde e uma Segurança Social que respondam às necessidades e enfrentem os principais problemas da nossa vida colectiva. 

É também essencial construir uma política de família que tenha em vista o reforço da conciliação da vida profissional com a actividade laboral, sendo indispensável intervir ao nível dos horários de trabalho e da construção de equipamentos de retaguarda para apoio infantil e pré-escolar. 

Acções neste plano são fundamentais para que as mulheres, normalmente as principais vitimas - juntamente com as crianças - do modo de vida que hoje se pratica, encontrem a disposição e o tempo necessários para o seu próprio desenvolvimento pessoal. Neste como em muitos outros campos da nossa vida colectiva precisa-se de mais imaginação, porque novos problemas exigem novas soluções. 

A política de família deve olhar com mais atenção para a necessidade de integração dos idosos, de forma a que estes não sejam vistos como um peso para o Orçamento de Estado e para os seus próprios familiares, mas como um activo de vida vivida, de conhecimentos e de valores que importa interligar com o devir das novas gerações. 

Importa desenvolver uma política de família que tenha a noção das dificuldades inerentes aos agregados familiares mais numerosos e, assim, estabeleça em sede fiscal os instrumentos que permitam maiores deduções em função do número de filhos. 

Estas e outras preocupações orientam o PSD ao lançar o programa Via Verde Para a Família. 

Para além de reapresentarmos na Assembleia da República um projecto de lei sobre "Apoios à Permanência e Integração na Família de Idosos e Pessoas Portadoras de Deficiência", promoveremos, igualmente no âmbito parlamentar, uma série de iniciativas, das quais destaco: a criação do "Cartão Família", destinado a facilitar às famílias mais numerosas o acesso a um conjunto de bens e serviços; o alargamento da redução do horário de trabalho dos trabalhadores com filhos que padeçam de deficiências profundas ou de determinadas doenças susceptíveis de provocar estados terminais; o aumento dos limites da dedução à colecta de despesas de educação, a partir do segundo dependente e depois deste o aumento progressivo das deduções com os demais dependentes; a obrigatoriedade de apresentação, pelo Governo, à Assembleia da República, de um relatório anual sobre os progressos registados em matéria de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres; a recomendação ao Governo para que olhe para os níveis de consumo de álcool que o País apresenta e que intervenha no sentido de atenuar uma realidade de gravíssimas consequências. 

Sendo certo que tais iniciativas não esgotam o muito trabalho que há para fazer, é também claro que o caminho se faz caminhando, pelo que importa dar sinais consistentes da determinação com que encaramos esta vertente de actuação. 

Claro está que muito daquilo que se joga neste âmbito não depende de legislação. Como se sabe, a sociedade não se muda por decreto. 

Alguns dos problemas essenciais radicam em comportamentos e estilos de vida, aquilo que é, ao fim e ao cabo, a cultura dominante na nossa sociedade. 

Mas, se a política reformista se demite de colocar na agenda do debate público as questões mais difíceis, isto é, aquelas que sabemos à partida não poderem apenas ser mudadas através de intervenção legislativa, condenamo-nos à passividade perante o que está errado e à incapacidade de levar a cabo verdadeiras reformas dinamizadoras. 

Só uma mudança radical de paradigma no que diz respeito à relação entre Estado e Sociedade, só uma alteração fundamental no sentido de muitas das escolhas públicas - e desde logo de muitas opções em sede orçamental - pode determinar um significativo progresso da sociedade portuguesa. 

Não sendo o único, a família constitui um lugar estratégico para muitas das mudanças de que Portugal precisa.
 

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