Diário de Notícias - 09 Jun 06

Quotas para que te quero?

Maria José Nogueira Pinto

 

O veto presidencial deve ter morto as quotas, assim espero! Com o que sai, da nossa pobre agenda política, um dos temas mais miserabilistas e obnubiladores do essencial destas questões.

Já não falo por mim, que sempre tive "um estatuto de homem" (se assim se pode dizer) e que fui a primeira mulher líder parlamentar, a única que disputou a presidência de um partido político e a segunda a candidatar-se à Câmara de Lisboa em mais de 30 anos. Os resultados - quer os bons quer os maus - foram da minha inteira responsabilidade. Mas falo sobretudo de tantas mulheres da minha geração que transformaram grande parte da sua vivência universitária em participação cívica e política - maoístas, trotsquistas, marxistas-leninistas, democratas, liberais ou de direita - fizeram as suas carreiras e se afirmaram nas artes, na ciência, nas humanidades, na economia, no serviço público, no desporto, na política.

E da geração seguinte que foi ocupando sem qualquer complexo, por uma ordem natural das coisas, os territórios antes maioritariamente masculinos, compatibilizando logística doméstica, horários laborais longuíssimos e uma indefectível presença materna.

E é agora, em 2006, que o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda nos querem brindar com uma medida de discriminação humilhante que nos abre, a nós maioritárias em Portugal e no planeta Terra, uma entrada de um terço, já que os outros dois terços estão cativos, que isto de facilidades há que ter cuidado!?

Fazem falta mais mulheres na política? Claro que sim. Até para mudar a política como ela é hoje praticada e a visão tão negativa que dela se tem. Mas é falso que não estejam na política, apenas ou principalmente, por causa dos homens. Não estão lá, porque o exercício da política se tornou cada vez mais vácuo, frustrante, uma perda de tempo, e tempo é o que as mulheres que não querem ser iguais aos homens, mas diferentes, não têm para desperdiçar.

Se uma mulher quer ter filhos, assegurar a sua própria independência económica, ser respeitada e reconhecida pelo seu mérito profissional e valor intelectual não pode, facilmente, acrescentar a tudo isto uma média participação na vida política. Por isso fará sempre uma ponderação de custo-benefício, investimento- -retorno. Fá-lo-á com generosidade mas também com lucidez. E as conclusões, nos tempos que correm, são previsíveis.

É aqui que o argumento de que as quotas constituiriam uma medida útil para alterar este ciclo vicioso, trazendo mais mulheres para a política com o objectivo de mudar a política, parece colher. Mas é apenas uma aparência. De facto, as quotas só resolveriam a questão (real) de por cada três homens medíocres ser obrigatório admitir uma mulher igualmente medíocre. Ora este objectivo não é apresentável no século XXI.

De tal modo que, se alguma vez mais eleita, me interrogaria com angústia e vergonha se teria lá chegado alavancada pelas quotas.

Este tema que agora se encerra é também perversamente obnubilador de aspectos essenciais no que toca à equidade entre géneros.

Pergunto porque não propõe o Governo medidas que - à semelhança do que sucedeu em França - garantam num curto espaço de tempo, uma efectiva igualdade de salários entre homens e mulheres?

Ou medidas que, com pragmatismo, facilitem a conciliação entre vida familiar, profissional e política às mulheres, permitindo-lhes verdadeiramente fazer escolhas que, hoje, são meramente teóricas?

Ou fiscalizar, com rigor, uma legislação laboral tão avançada quanto violada?

Ou estudar, seriamente, as causas da crescente feminização da pobreza e actuar sobre elas com eficácia?

Isso sim seria justo, racional e salutar. Mas, sabemos, muito mais difícil do que o "brinde" da paridade.

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