O veto presidencial deve
ter morto as quotas, assim espero! Com o que
sai, da nossa pobre agenda política, um dos
temas mais miserabilistas e obnubiladores do
essencial destas questões.
Já não falo por mim, que sempre tive "um
estatuto de homem" (se assim se pode dizer) e
que fui a primeira mulher líder parlamentar, a
única que disputou a presidência de um partido
político e a segunda a candidatar-se à Câmara de
Lisboa em mais de 30 anos. Os resultados - quer
os bons quer os maus - foram da minha inteira
responsabilidade. Mas falo sobretudo de tantas
mulheres da minha geração que transformaram
grande parte da sua vivência universitária em
participação cívica e política - maoístas,
trotsquistas, marxistas-leninistas, democratas,
liberais ou de direita - fizeram as suas
carreiras e se afirmaram nas artes, na ciência,
nas humanidades, na economia, no serviço
público, no desporto, na política.
E da geração seguinte que foi ocupando sem
qualquer complexo, por uma ordem natural das
coisas, os territórios antes maioritariamente
masculinos, compatibilizando logística
doméstica, horários laborais longuíssimos e uma
indefectível presença materna.
E é agora, em 2006, que o Partido Socialista e o
Bloco de Esquerda nos querem brindar com uma
medida de discriminação humilhante que nos abre,
a nós maioritárias em Portugal e no planeta
Terra, uma entrada de um terço, já que os outros
dois terços estão cativos, que isto de
facilidades há que ter cuidado!?
Fazem falta mais mulheres na política? Claro que
sim. Até para mudar a política como ela é hoje
praticada e a visão tão negativa que dela se
tem. Mas é falso que não estejam na política,
apenas ou principalmente, por causa dos homens.
Não estão lá, porque o exercício da política se
tornou cada vez mais vácuo, frustrante, uma
perda de tempo, e tempo é o que as mulheres que
não querem ser iguais aos homens, mas
diferentes, não têm para desperdiçar.
Se uma mulher quer ter filhos, assegurar a sua
própria independência económica, ser respeitada
e reconhecida pelo seu mérito profissional e
valor intelectual não pode, facilmente,
acrescentar a tudo isto uma média participação
na vida política. Por isso fará sempre uma
ponderação de custo-benefício, investimento- -retorno.
Fá-lo-á com generosidade mas também com lucidez.
E as conclusões, nos tempos que correm, são
previsíveis.
É aqui que o argumento de que as quotas
constituiriam uma medida útil para alterar este
ciclo vicioso, trazendo mais mulheres para a
política com o objectivo de mudar a política,
parece colher. Mas é apenas uma aparência. De
facto, as quotas só resolveriam a questão (real)
de por cada três homens medíocres ser
obrigatório admitir uma mulher igualmente
medíocre. Ora este objectivo não é apresentável
no século XXI.
De tal modo que, se alguma vez mais eleita, me
interrogaria com angústia e vergonha se teria lá
chegado alavancada pelas quotas.
Este tema que agora se encerra é também
perversamente obnubilador de aspectos essenciais
no que toca à equidade entre géneros.
Pergunto porque não propõe o Governo medidas que
- à semelhança do que sucedeu em França -
garantam num curto espaço de tempo, uma efectiva
igualdade de salários entre homens e mulheres?
Ou medidas que, com pragmatismo, facilitem a
conciliação entre vida familiar, profissional e
política às mulheres, permitindo-lhes
verdadeiramente fazer escolhas que, hoje, são
meramente teóricas?
Ou fiscalizar, com rigor, uma legislação laboral
tão avançada quanto violada?
Ou estudar, seriamente, as causas da crescente
feminização da pobreza e actuar sobre elas com
eficácia?
Isso sim seria justo, racional e salutar. Mas,
sabemos, muito mais difícil do que o "brinde" da
paridade.