31 de Maio de 2000 - Lusa

Pessoa dizia que eram o melhor do mundo. 

No Dia Mundial da Criança, a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) vai pedir ao governo que facilite a "aplicação da teoria" deixando de penalizar fiscalmente os pais.

"Família e fiscalidade" é o tema da conferência organizada pela APFN, que vai decorrer no Palácio Foz, em Lisboa, na quinta-feira. Precisamente no Dia Mundial da Criança para questionar o Estado sobre a sua "coragem de celebrar este dia quando penaliza fiscalmente os casais que se disponham a ter filhos", explicou à Agência Lusa o presidente da direcção da APFN, Fernando Castro.

Na conferência, será apresentado um trabalho da economista Luísa Anacoreta Correia que procura demonstrar que o sistema fiscal português "não trata as famílias de forma justa e proporcional aos seus rendimentos "per capita"" e "penaliza o crescimento da família".

"Os efeitos no pagamento de imposto actualmente previstos no Código do IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) relativos ao crescimento do agregado familiar são de tal forma insignificantes e desproporcionais que levam a concluir que o sistema fiscal português até penaliza o crescimento da família", considera Luísa Anacoreta Correia, docente na Universidade Católica do Porto.

A economista, com uma tese de mestrado na área da fiscalidade, demonstra que o IRS não diminui de forma progressiva consoante o número de filhos e conclui que "o Estado incentiva fortemente o primeiro filho, cerca de quatro vezes mais do que o quarto ou o quinto".

A propósito da "incompreensível" evolução do IRS, Luísa Anacoreta Correia questiona: "Porque vale mais para o Estado o primeiro filho que o terceiro?". Isto quando "seria de esperar que o IRS fosse compensando a quebra do rendimento líquido "per capita" da família".

A docente mostra ainda que, "apesar de ser, por definição, único, o IRS discrimina os contribuintes conforme a respectiva categoria dos rendimentos", ou seja, "o acréscimo de salário de um agregado com rendimentos elevados é tributado à taxa de 40 por cento, enquanto o acréscimo de rendimento proveniente do mercado de 
títulos é de 25 por cento ou mesmo de 0 por cento ou 10 por cento se se tratar de mais-valias mobiliárias".

Luísa Anacoreta Correia lembra igualmente que das actuais deduções a única que contempla a família de uma forma real (tendo em conta o total de membros do agregado) é a relativa a despesas de saúde, já que não prevê a existência de limite. 
"As restantes deduções ou consideram a existência de uma família numerosa (três ou mais dependentes) de uma forma muito pouco significativa ou simplesmente a ignoram".

Absurda é como a economista classifica a situação da dedução das despesas de educação. 

Veja-se o exemplo de um casal com despesas de educação de 15 contos mensais por dependente: "um casal com um filho obtém uma poupança fiscal de 54 contos, Um casal com três filhos (com igualmente 15 contos de despesas mensais por filho) tem uma poupança não de três vezes a anterior mas de 134,2 contos, menos 17 por cento. Por sua vez, um casal com nove filhos poupa 195,4 contos, ou seja, menos 52 por cento". 

No caso de despesas de educação de 30 contos mensais por dependente, "as conclusões são ainda mais absurdas". De acordo com o trabalho de Luísa Anacoreta Correia, "um agregado com um dependente poupará fiscalmente 103,6 contos por dependente, enquanto um agregado com nove dependentes poupará 21,7 contos
por dependente".

Segundo a economista, é possível através do reajustamento de certos mecanismos já contemplados no actual Código do IRS modificar tal situação. "Nem é necessário apelar a uma reforma fiscal demorada e eventualmente susceptível de grandes controvérsias".
Em declarações à Lusa, Luísa Anacoreta Correia defendeu a tributação com aplicação do "coeficiente familiar" (como acontece no sistema fiscal francês) em vez do "coeficiente conjugal" (actualmente utilizado em Portugal), ou seja, medir a capacidade contributiva por número de elementos do agregado e não por casal ou por pessoa.

Ajustar a dedução forfetária (despesas que não necessitam de comprovação) tendo em conta o número de filhos e alargar os limites das despesas de educação e com seguros de doença de acordo com o mesmo princípio são outras das sugestões da economista.

Tais alterações "podem não contrariar a lógica actual do imposto e, simultaneamente, permitiriam atingir os princípios constitucionais de proporcionalidade de forma mais justa", adiantou.

"Defendo a aplicação do coeficiente familiar há 20 anos", disse à Agência Lusa o economista Diogo Leite de Campos, outro dos participantes na conferência "Família e Fiscalidade".

Diogo Leite de Campos foi encarregado ainda por Sousa Franco, ministro das Finanças do anterior governo, de elaborar um trabalho sobre a fiscalidade das famílias, trabalho que entregou recentemente ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Manuel Baganha.

O economista entende que "a família está a ser mal tributada" pois "o actual sistema não considera os filhos para efeitos de impostos".

"Apesar de serem o fundamental do País, as pessoas são mais mal tratadas que as empresas", sustenta, adiantando que "há um desprezo prático do legislador e dos governos pela pessoa".

Além da aplicação do coeficiente familiar, Diogo Leite de Campos defende que a tributação seja feita "depois de deduzidos os gastos essenciais para viver", ou seja, após considerar uma "isenção do mínimo de existência" e o "necessário para que cada um habite".

O economista defende ainda que as despesas de educação sejam consideradas "até ao montante que o Estado gasta com cada aluno na escola pública" e a eliminação dos impostos que incidam sobre a habitação própria (relativos à compra ou autárquicos).

Alberto Ramalheira e Francisco Sarsfield Cabral são os outros dois conferencistas convidados pela APFN para o encontro de quinta-feira à noite.

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