Público - 5 Mai 04

Bom Dia!
Por JOAQUIM FIDALGO

Há hoje, algures, um menino a nascer.

É um menino (devir eterno e mágico da natureza...) igual a tantos outros que nasceram antes dele, igual a tantos outros que nascerão depois dele. É também (insondável mistério e espanto da vida...) um menino diferente de todos os que já nasceram, diferente de todos os que hão-de nascer. Um, único, ele - o menino. Assim eu, assim tu, assim todos e cada um.

Há-de querer ser muitas coisas, este menino. E é bom que queira e é bom que possa. Que queira tudo, que queira o azul do céu e a imensidão do mar, nada menos que isso. "E tudo era possível era só querer." Sim, ele há-de querer, por exemplo, ser poeta, qual o menino que não quer ser poeta?, que "ser poeta é ser mais alto", é ser "rei do reino de aquém e além dor", é "ter garras e asas de condor". Ele há-de querer voar, qual o menino que não sonha voar?, e voar mesmo, voar longe, voar fundo - e não deixar nunca, condor e rouxinol, que lhe cortem as asas. Nem o bico de cantar, nem a noite de amar.

Como todos os meninos, também este menino há-de querer ser grande, qual o menino que não quer?, há-de crescer ao lado de outros meninos, e brincar muito, fazer amigos, jogar o pião, correr pela praia, lançar papagaios, saltar muros, romper os joelhos, comer maçãs maduras, vermelhas, da árvore da vizinha, rir, rodopiar, dançar. Pôr-se "nu em frente às coisas vivas" e sorrir para "a vida multiplicada e brilhante / em que é pleno e perfeito cada instante". Poeta, sim, é o que ele há-de querer ser. E bombeiro, claro, qual o menino que não quer ser bombeiro?, e médico e aviador e cavaleiro andante e lavrador e contador de histórias e pedreiro e músico, tocador de concertina, de flauta, de tambor. E tudo, todos ao mesmo tempo ou um de cada vez, o importante é seguir "esse impulso que há em nós / de tudo ser e em cada flor florir".

Nasce hoje, dia de Maio, um menino, e este é o seu tempo de tudo ser possível, é só querer. E assim todos os meninos de hoje e de ontem e de amanhã, grandes ou mais pequeninos, era assim que devia ser, é assim que deve ser, é assim que vale a pena, caminhar na vasta praia e "aprender a viver em pleno vento". Como só os meninos sabem, como só os meninos querem, mesmo quando o tempo os faz fazer de conta que já são maiores.

Há-de querer ser poeta, este menino, porque ser poeta "é ter fome de infinito", é "condensar a vida num só grito". Há-de querer ser poeta, porque ser poeta, afinal e em suma, "é amar-te assim perdidamente". E quem não quer amar assim, perdidamente? Assim. Só. E, claro, "dizê-lo cantando" a ouvidos que saibam ouvir canções. Bebendo da vida a festa que a vida tem.

Há muitos meninos que nascem todos os dias. Há um menino, igual a todos e de todos diferente, que nasce hoje. Como outro ontem, outro amanhã, insondável magia do ser. A esse menino que eu nunca vi, mas sei, eu hoje quero dizer "bom dia", e emprestar-lhe palavras para, com ele, dar graças pela graça de uma vida que nasce e de todas as vidas que todos os dias, no crer, renascem.

Porquê hoje, logo hoje?, perguntar-me-ão.

E por que não?...

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