Público - 6 Mai 04

 

"A Casa, para Os Jovens de Hoje, Não É Mais do Que Uma Paragem de Autocarro"

Por CATARINA SERRA LOPES

 "Há pais que me perguntam quais são os sintomas da adolescência. Mas desde quando é que a adolescência é uma doença?" - esta foi uma das questões levantadas pelo psiquiatra Daniel Sampaio no decorrer da conferência "3º Toque", que teve lugar terça-feira à noite na Escola de Turismo do Estoril, no concelho de Cascais.

Organizada pela Federação de Associações de Pais e Encarregados de Educação deste município, a palestra teve como principal tema a integração dos pais na escola dos filhos e o seu papel enquanto educadores.

Talvez pelo tema, talvez pela qualidade e mediatismo dos oradores - Daniel Sampaio e Marcelo Rebelo de Sousa - foram cerca de 600 as pessoas que compareceram. Uma clara oposição às periódicas reuniões de pais, que se pautam habitualmente pela ausência dos próprios progenitores.

Num ambiente informal, Rebelo de Sousa e Daniel Sampaio foram lançando questões um ao outro, introduzindo temas, confrontando teorias, mitos e falsas verdades.

Umas vezes respondendo a perguntas da assistência, outras lançando as suas próprias provocações, os oradores fizeram a conversa fluir durante mais de duas horas e meia, num passeio pela juventude actual, pelos problemas dos adolescentes, pelo aumento do número de pais destituídos de um modelo, pela falta de regras em casa, pela crescente imaturidade de uma sociedade que cada vez mais retarda a chegada à idade adulta.

Porque é necessário regras, porque é necessário modelos claros, "não se pode ser pai com bases em estratégias educativas ensaiadas ao momento, seguindo livros e manuais ou o que se acabou de ver num programa de televisão", segundo explica Daniel Sampaio.

Porque é preciso, acima de tudo, que "os jovens deixem de estar desmotivados, no caminho da felicidade imediata, com muita informação mas com muito pouca digestão", segundo refere Marcelo Rebelo de Sousa.

Investir no acompanhamento dos filhos

"A casa, para os jovens de hoje, não é mais que uma paragem de autocarro, muitas vezes não há sequer uma refeição diária conjunta com a família", sublinha o professor, acrescentando que "toda esta ausência causa graves problemas, pois os pais devem investir no acompanhamento constante para a prevenção".

Não querendo isso dizer, no entanto, que as mães precisem de deixar de trabalhar para ficar com os filhos. "Todas as mulheres que eu conheço que o fizeram ficaram extremamente rabugentas", comenta Daniel Sampaio.

Quanto à adolescência, o psiquiatra explica que "os problemas desta muitas vezes vêm da infância." "Os pais actuais têm uma dificuldade imensa em brincar com os filhos. Precisavam de estar menos preocupados com o seu trabalho, com a sua saúde mental, com a sua relação conjugal", explica. Não querendo no entanto isso dizer que só se deve ser pai quando se tem idade para uma maior disponibilidade.

"Hoje em dia tenho muitos amigos de 50, 60 anos que resolvem ter filhos e eu pergunto-lhes sempre se, para lá do prazer que vão ter em ter um filho, já se questionaram se o filho irá ter prazer em ter um pai que provavelmente não o irá ver a chegar sequer ao secundário", comentou Marcelo Rebelo de Sousa.

Já para o fim ficou a abordagem do divórcio, um tema essencial nos dias de hoje. Considerada como a situação que provoca mais stress numa família, a separação de um casal é, para Daniel Sampaio, "uma solução, mas não uma solução boa".

"Hoje em dia há uma grande ausência de reflexão nos próprios problemas, há uma banalização do divórcio, o que logicamente afecta as crianças", disse. Como caminho alternativo, o psiquiatra aconselha a criação de gabinetes de mediação familiar que ajudem os casais em crise.

Caso isso não resulte e o caminho escolhido seja mesmo a separação, pelo menos que seja numa fase em que seja possível "a separação emocional de forma a que os dois progenitores consigam manter uma relação pacífica, para bem da criança", salienta o psiquiatra.

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