A escola que é um manifesto contra o "eduquês"
José Manuel Fernandes
É privada, escolhe os professores, recebe todos os
alunos do concelho, dos pobres aos ricos, ensina a
tabuada, tem quadro de honra, não vai em modas. Fica
em Arruda dos Vinhos e perceber como lá se ensina
desfaz muitos mitos sobre como deve ser o sistema de
ensino
Fica em Arruda dos Vinhos, concelho rural dos
arredores de Lisboa. É a única escola desse concelho
que tem terceiro ciclo do ensino básico e, por esse
concelho ter sido o único onde a média a Matemática
nos exames nacionais do 9º ano foi positiva, o
PÚBLICO visitou a João Alberto Faria. A reportagem
foi publicada segunda-feira, mas vale a pena voltar
ao tema. Porque essa escola é um manifesto vivo
contra o tipo de políticas que têm degradado a
qualidade do ensino em Portugal.
Primeiro: naquela escola entende-se, e citamos, que
"a massificação do ensino levou a um menor grau de
exigência, mas a Matemática não se tornou mais fácil
e mantém as dificuldades próprias da disciplina"- o
que requer "esforço e trabalho".
Segundo: naquela escola não se embarca em modas,
prefere-se cultivar a exigência. Por isso "o grupo
de Matemática é pouco atreito a algumas inovações
pedagógicas", por isso defende-se que "saber a
tabuada é mais importante do que saber utilizar a
calculadora", por isso interditaram mesmo a sua
utilização no 2º ciclo.
Terceiro: como sem bons professores não há boas
escolas, na Alberto Faria todos os professores são
entrevistados antes de serem contratados,
explicando-se-lhes qual a filosofia da escola e
avaliando se os candidatos estão à altura do que se
lhes vai pedir.
Quarto: não há nenhuma relação inelutável entre os
bons resultados de uma escola e o nível
sócio-económico da região onde se insere. Arruda dos
Vinhos está longe de ser um dos concelhos com mais
poder de compra e na João Alberto Faria não se
seleccionam os alunos, recebem-se todos, mais ricos
ou mais pobres. Mais: recebem-se também alunos de
concelhos vizinhos, porque, como explicou um aluno
do 10º ano que quer ir para Medicina, nela "o nível
de exigência dos professores pode ser compensado
pelos resultados nos exames, que normalmente tendem
a ser melhores". Quem responde bem à exigência
possui também o estímulo de figurar no Quadro de
Honra da escola.
Quinto: uma direcção escolar focada em disciplinas
como Matemática ou Português levou a que o tempo
lectivo destinado ao Estudo Acompanhado fosse
dedicado só a essas disciplinas. E quando acabam as
aulas do 9.º ano os docentes estão disponíveis para
dar aulas extra de preparação para os exames de
Português e Matemática e ainda todas as que sentirem
necessárias para o esclarecimento de dúvidas dos
seus alunos.
Tudo o que atrás fica escrito permite que os bons
resultados daquela escola se prolonguem no ensino
secundário, tendo o ano passado ficado em 32º lugar
nos rankings feitos a partir dos resultados a
Matemática dos seus alunos no 12º ano. Uma boa
posição, se nos lembrarmos que falamos de uma escola
que não foi feita para alunos de elite.
Contudo, para o quadro ser completo, é necessário
sublinhar outra: esta é uma escola privada. O seu
nome completo é Externato João Alberto Faria. Mas os
seus alunos não pagam para a frequentarem, pois,
como é a única do concelho, tem um contrato de
associação com o ministério. Estes contratos de
associação são relativamente raros no país, havendo
mesmo assim quem defenda que o Estado devia
construir escolas públicas ao lado de
estabelecimentos privados como este. Mesmo que tal
saísse muito mais caro. E resultasse numa menor
qualidade de ensino. Só que a Alberto Faria mostra
como fazer o contrário pode resultar muito melhor.
Conclusões? Que se as escolas escolhessem os
professores, se os alunos escolhessem as escolas, se
o Estado se limitasse a dar orientações gerais, em
vez de dirigir, e desse um cheque-ensino aos alunos
menos abonados que quisessem ir para uma escola mais
exigente, ou melhor, privada e paga, ganharia a
qualidade de ensino e o ministro das Finanças
agradeceria. Só os interesses instalados se
revoltariam.