Público - 05 Mai 08

 

Pouca terra ou pouco tino?
Rui Moreira

 

O TGV é o mais exuberante exemplo de um investimento conceptualmente virtuoso que pode resultar num desastre nacional

 

É raro o mês em que não nos anunciam novas obras faraónicas. Com raras excepções, dizem respeito a Lisboa, que é uma preocupação irresistível para este Governo. A capital, transformada num inabitável estaleiro permanente, é vista como a sua "obra de regime". Fará sentido tanto e tão concentrado investimento público, com a economia estagnada e os juros em alta? Até os keynesianos, que defendem políticas anticíclicas, reconhecerão que esse investimento deverá ser, pelo menos, criterioso. No caso das infra-estruturas, devem obedecer a uma estratégia integrada que seleccione prioridades e a alocação racional de recursos escassos, tanto mais que a utilização dos fundos europeus, uma fonte que está a secar, não se reveste de gratuitidade, pois, para além dos custos de operação, gera um custo de oportunidade.

 

Ora, no caso de algumas dessas obras, há sintomas de que se estão a repetir os vícios que foram evitados à justa, no caso da Ota, e que ainda assim, e apesar disso, persistem na decisão tomada sobre o aeroporto. Mas o caso do TGV é o mais exuberante exemplo de um investimento conceptualmente virtuoso que pode resultar num desastre nacional, se for mal avaliado e executado.

 

Fico aterrado quando ouço justificar a prioridade da Linha Lisboa-Madrid por não podermos ficar fora dessa moda das outras capitais europeias, um novo-riquismo que, além do mais, contrasta com a nossa realidade. Preferia que demonstrassem, através de projecções credíveis, que esta vai gerar procura suficiente e que pode competir com as low cost, cujo crescimento exponencial foi invocado como argumento para justificar a construção de um mega-aeroporto. Fico aflito com o avanço da ligação do Porto à Galiza, utilizando a Linha de Braga e unindo esta cidade à fronteira por um novo e caríssimo canal, porque os únicos pólos que poderão gerar a procura que hoje não existe (e que de outra forma nunca existirá), são o Aeroporto Sá Carneiro e o Porto de Leixões, que não serão escalados na primeira fase.

 

Não sei, confesso, se precisamos de túneis em Alcântara, de uma nova gare do Oriente, de investimentos em Santa Apolónia. Não tenho, sequer, opinião sobre a nova travessia, apesar de me fazer espécie que a Ponte Vasco da Gama esteja às moscas. O que o senso comum me diz é que a Linha do Norte é prioritária. Precisaremos de uma nova linha de alta velocidade em canal paralelo? Também não sei, mas gostaria de ter a certeza que não é possível, ou não vale a pena, retomar e concluir rapidamente a modernização da que já existe.

 

Desconfio da acção furtiva de técnicos e responsáveis, que se escudam na sua pseudo-superioridade. Aliás, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social acaba de considerar justificada a denúncia, feita por um jornalista deste jornal sobre a Refer, por esta "esconder o jogo". É essa gente do lobby ferroviário, que nos atolou na trágica modernização da Linha do Norte, quem continua a cercear o raciocínio e a encantar os nossos bem-intencionados governantes. Para estes, quaisquer obras são um sinónimo de progresso. O problema é que já sabemos que também têm custos e podem ser um insustentável desperdício. Presidente da Associação Comercial do Porto