Público - 7 Mar 04

Homossexualidade e Adopção
Por RITA LOBO XAVIER

Recentemente tivemos notícia de uma relação de adopção entre uma criança e a companheira da sua mãe biológica, constituída por decisão de um tribunal espanhol. Ora porque semelhante decisão não pode ocorrer no nosso país, têm-se multiplicado os comentários críticos que situam a discussão deste problema no domínio das liberdades e da igualdade, em particular no plano das discriminações fundadas sobre a orientação sexual.

Na realidade, contudo, uma coisa é sustentar que as pessoas enquanto tais não podem ser objecto de discriminação com esse fundamento; outra coisa, bem diferente, é pretender que duas pessoas do mesmo sexo devem ter direito a adoptar uma criança nos mesmos termos em que o pode fazer um casal heterossexual, sob pena de intolerável discriminação.

A Constituição e a lei são claras quanto aos objectivos da adopção e quanto ao ambiente familiar que se pretende para as crianças em situação de adoptabilidade. A adopção visa prosseguir o "interesse superior da criança", quando "privada de um meio familiar normal", pretendendo-se com a sua constituição estabelecer um vínculo "semelhante ao da filiação natural". Na adopção não está em causa, portanto, o direito de adoptar por parte de eventuais candidatos a adoptantes, mas o direito da criança privada de um ambiente familiar normal a que seja promovida e constituída uma relação semelhante à da filiação natural, isto é, a que resulta de uma união entre um homem e uma mulher. O interesse superior da criança será o de que no respectivo assento de nascimento figure um homem como pai e uma mulher como mãe. É essencialmente por isso que a lei portuguesa não permite a adopção a pares de homossexuais.

Assim, por muito compreensível que seja o desejo que exprimem alguns pares de homossexuais - no sentido de, pela via da adopção, chegarem a ter em comum o filho que a natureza lhes nega -, tal possibilidade não lhes é reconhecida no Direito português, nem o deverá vir a ser. Essa hipótese envolveria, de facto, um retrocesso de séculos na penosa evolução sofrida pelo instituto da adopção, que hoje se encontra finalmente ao serviço do interesse do adoptado, e já não ao serviço dos interesses religiosos, políticos, patrimoniais ou afectivos dos adoptantes.

Outro género de argumentação, com idêntica finalidade, tem invocado estudos que apontam no sentido de não se encontrarem diferenças significativas entre as crianças educadas por casais ou uniões de facto heterossexuais e as crianças educadas por pares de homossexuais. Para além de se tratar aqui de uma diferente questão - o exercício da paternidade e da maternidade não se reduz à educação dos filhos - e de haver também trabalhos de investigação que sustentam resultados opostos, a verdade é que os estudos conhecidos padecem de graves problemas metodológicos que afectam a sua credibilidade científica, sobretudo no que diz respeito às formas de selecção das amostras trabalhadas, à sua representatividade e à definição e escolha dos grupos de controlo.

Neste contexto, tem sido mesmo colocada uma questão que, a todos os títulos, se afigura inaceitável: é melhor que uma criança esteja numa instituição ou que seja adoptada por um par de homossexuais? Esta pergunta começa por diminuir quem a faz, mas diminui também as crianças, as instituições, a relação de adopção e os próprios pares de homossexuais putativos candidatos a adoptantes.

Finalmente, registamos com espanto o surgimento de novos preconceitos, novos dogmas e novos anátemas naqueles que reivindicam o direito de adoptar para os homossexuais. São, em primeiro lugar, preconceitos contra a família (a que chamam agora "tradicional"). São, depois, afirmações sem base científica verificável e credível, como a de que "as sexualidades são culturalmente adquiridas". Por último, não deixa de ser surpreendente o anátema contra quem, a este propósito, utiliza os conceitos de "natural" ou de "normal", quando é certo que são exactamente esses os conceitos que figuram na Constituição e na lei.

Professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

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