Diário de Notícias - 7 Mar 04

Igreja desafia políticos a definirem o início da vida
LICÍNIO LIMA

O aborto é um crime e não pode ser despenalizado, defendem os bispos portugueses numa nota pastoral ontem divulgada - onde, pela primeira vez, desafiam a Assembleia da República a assumir uma posição política sobre o embrião, definindo se se trata, ou não, de um ser humano desde o primeiro momento.

«No estádio actual da ciência, começa a ser incompreensível que um Estado de Direito não tenha uma posição oficial em relação a esta questão», lê-se no documento aprovado na sexta-feira, em Fátima, no decorrer de uma assembleia extraordinária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

«Quando os decisores políticos relegam o problema (da inviolabilidade da vida desde a fecundação do óvulo) para o campo das opções da consciência, é preciso não esquecer que, na moderna concepção dos Estados, o Estado é considerado pessoa de bem e, por isso, também tem consciência», defendem os bispos, insurgindo-se claramente contra a descriminalização do aborto. «Não vemos como se poderá tirar ao aborto a classificação de crime», afirmam.

Relativamente à despenalização, pensam o mesmo: «Parece-nos que o caminho não é despenalizar, mas considerar em sede de julgamento eventuais circunstâncias atenuantes, até porque o grau de responsabilidade não é o mesmo, quer entre as mulheres que abortam, quer entre aqueles que as condicionam e contribuem para o aborto».

Admitindo que «as circunstâncias psicossociais podem tornar inimputável, ou com responsabilidade atenuada, quem praticou um aborto ou para ele contribuiu», a CEP considera que «isso não retira ao acto em si mesmo a sua natureza criminosa, que não decorre apenas da subjectividade de quem o pratica, mas da gravidade da acção em si mesma». À pergunta, «será possível despenalizar?», respondem: «Isso corresponde a perguntar se é possível, do ponto de vista legal, definir um crime sem lhe atribuir uma pena.»

Os bispos dizem-se solidários com todos os que fazem alusão à dramaticidade da interrupção voluntária da gravidez nas sociedade contemporâneas. Mas, «em nome da carácter sagrado da vida e da dignidade da mulher, a legalização não é o caminho», advertem, criticando os que rejubilam com a descoberta de um bebé abandonado ou com o resgate de pessoas e, simultaneamente, «ressuscitam uma campanha violenta a favor da legalização do aborto».

No documento, intitulado «Meditação sobre a vida», nem os deputados são poupados, com críticas, indirectas, à forma como o assunto foi votado e discutido quarta-feira no Parlamento. «É indigno da maturidade política de um Povo que alguém seja a favor da legalização do aborto só porque pertence a um determinado partido», referem os bispos. Defendendo assim que a questão não é política, nem somente da mulher, nem um mero assunto da moral sexual, porque, sublinham, «está provado que a legalização do aborto é uma questão fracturante da sociedade».

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