Máxima - 27 Nov 03

 

Prevenir o Divórcio

por Maria João Vieira
fotos de Zeffa Visual Media

 

Ninguém se divorcia de um dia para o outro. Os motivos que põem fim a um casamento
são vários. Quase sempre, estão bem à vista. Conheça os sinais de alerta. Avalie o estado da relação E trate do seu casamento antes que seja tarde de mais.

Divórcio e separação são dois dos assuntos mais estudados por psicólogos e médicos de todo o mundo. A melhor ma-neira de ultrapassar o trauma de uma relação que chega ao fim é um tema que tem interessado muitos cientistas. Em contrapartida, os sinais que alertam para o fim próximo de uma história de amor são matéria de raríssimos estudos. No entanto, há já quem se tenha debruçado sobre o caso e esteja agora a apresentar resultados que vale a pena conhecer. Porque é importante saber avaliar o estado das relações para poder tratar dos problemas, antes que seja tarde de mais.

John M. Gottman, um médico americano, coordenou uma equipa que durante vários anos estudou os sinais físicos que indicam o grau de deterioração de um casamento. E chegou a conclusões no mínimo interessantes. Filmando os casais que aceitaram participar neste estudo, durante os períodos de conflito, Gottman concluiu que quanto mais calma e assertiva for a reacção de ambos, mais probabilidades haverá de o casamento durar e melhorar com o passar dos anos.

Pelo facto de o estudo de Gottman ser físico, a equipa liderada por este especialista interessou-se por aspectos como a pressão sanguínea,
as reacções cutâneas, os batimentos cardíacos e o movimento corporal.
Nas conclusões recentemente apresentadas, Gottman afirma que aqueles casais que apresentam um batimento cardíaco mais acelerado, a pressão sanguínea mais rápida, que começam a suar e que se movem de forma agitada durante as discussões, são casais que, ao fim de três anos, estão a divorciar-se. Mas esta equipa de médicos diz que nem só as discussões com gritos, suor, corações aos pulos, grandes passadas para trás e para a frente são perigosas. Igualmente alarmantes são as disputas em que um dos parceiros grita e o outro fica como se fosse um muro de pedra – sem qualquer reacção! Nestes casos, Gottman concluiu que a média de duração do casamento é de quatro anos.

Então, toda e qualquer discussão será um sinal alarmante de que a relação tem um prazo certo de validade e, mais ano menos ano, chega ao fim?

John Gottman garante que um conflito conjugal, por maior que seja, não é mau em si mesmo. O conflito é quase sempre necessário, porque é quase impossível duas pessoas estarem sempre de acordo, em todos os aspectos da vida em comum. “O que pode ser mau é a forma como se lida com o conflito”, alerta o médico. E acrescenta: “Há casamentos que duram longos anos, que duram até à morte e que vão melhorando à medida que o tempo passa. Não quer dizer que não haja conflitos nessas relações. É claro que há! Mas os parceiros sabem resolvê-los com elementos positivos, como o humor, a empatia, o afecto, a vontade de resolver o problema de forma activa e não com atitudes defensivas. Além disso, estas atitudes positivas, perante um conflito conjugal, geram sempre uma resposta calma no próprio e no outro.”

A atitude perante o conflito é também a tónica do estudo de Barbara DeAngelis, uma terapeuta familiar americana que tem vindo a chamar a atenção para as quatro fases de uma relação que podem levar ao divórcio. DeAngelis defende que, mal surja um problema, ele tem de ser discutido.

“A maior parte das pessoas tem tendência a pensar: ‘Não vou discutir por tão pouco.’ Mas é importante discutir ‘por tão pouco’, antes que esse ‘tão pouco’ se torne ‘muito’. O que costumo perguntar aos meus pacientes é qual foi a última vez que discutiram por causa de uma coisa importante. E a resposta é muito engraçada: as pessoas nunca discutem por nada importante. São sempre coisas que depois nos parecem insignificantes que nos levam a começar uma discussão.”

António Soares, um advogado de 45 anos, divorciado, concorda: “Há uma fase em que qualquer coisa serve para discutir. Todos os motivos são bons... Porque eu me esquecia de comprar o gelado e tínhamos visitas para jantar, armava-se logo uma discussão medonha, do género: ‘És sempre a mesma coisa, nunca fazes nada do que eu te peço, não se pode confiar em ti há dois anos.’ E de repente, já se iam buscar coisas de há muitos anos, que não tinham nada a ver com o esquecimento da sobremesa naquele dia!”

Luísa Ramires, de 37 anos, divorciada, professora do Ensino Secundário, acrescenta: “De-pois da fase em que tudo é bom para começar a discutir, vem aquela outra em que já nada interessa, já nada faz diferença e até parece que está tudo bem, porque estamos sonâmbulos. É como estar a dormir em pé! Ou a viver em piloto automático! E as outras pessoas olham para nós e pensam: ‘Que felizes que aqueles dois são.’ E nós acordamos de manhã, olhamos um para o outro e pensamos: ‘O que é que eu estou aqui a fazer?’ Mas continua-se naquele casamento, por inércia ou seja lá o que for, até ao dia em que não se aguenta mais.”

Para que “o dia em que não se aguenta mais” nunca chegue, Barbara DeAngelis chama a atenção para os quatro “R” que podem levar ao fim de uma relação: Resistência, Ressentimento, Rejeição e Repressão. Cada uma destas palavras corresponde a uma das fases de tensão por que passam os casamentos.

DeAngelis não descobriu o remédio milagroso que suprime estas fases. Mas, ao chamar a atenção para cada uma delas, ajuda-nos a enfrentar a situação e dá pistas para a resolver. O conselho é sempre o mesmo: “Fale sobre o problema. Diga de forma directa e clara o que sente. Diga-o com amor e com vontade de resolver o assunto. Sem magoar e sem culpar ninguém.”

A primeira fase de conflito entre o casal, a que Barbara DeAngelis chama Resistência, é muito frequente: “Resisti-mos a qualquer coisa que o outro faz, diz ou sente e sentimo-nos aborrecidos com a atitude do parceiro.” Imagine que o seu marido aproveita todas as oportunidades para dizer em público que você é uma péssima cozinheira. Isso aborrece-a. Ou, pelo contrário, a mulher está constantemente a queixar-se à família, aos vizinhos e aos amigos que o marido não a ajuda a cuidar dos filhos. E isso aborrece-o. Neste caso, a mulher devia dizer qualquer coisa como: “Sou uma péssima cozinheira, mas passo as tuas camisas a ferro como ninguém!” ou outra coisa do género. E o marido, aborrecido com os comentários da mulher, deveria falar com ela num tom como este: “Não te ajudo com as crianças, mas levo o teu carro à oficina, faço os consertos da casa e trato dos impostos.” DeAngelis garante que não resolver um conflito na fase de resistência provoca o agravamento da relação na fase de Ressentimento.

O ressentimento é um estado de resistência mais desenvolvido porque, quando se atinge esta fase, as coisas que o outro faz ou diz já não nos aborrecem. Provocam-nos ódio! Na fase de ressentimento, pelo menos uma das partes do casal sente ódio, raiva, hostilidade em relação ao parceiro. Nestes casos, já começa a ser mais difícil falar com calma sobre a área de conflito.

Cada vez que a mulher ouve o marido queixar-se de que ela é péssima cozinheira, sente ódio e pensa: “Odeio-o. Odeio que ele diga isto de mim! A minha vontade é queimar-lhe as camisas todas, já que nem isso ele sabe apreciar. Assim, para além de cozinhar mal, também passava mal a ferro e, nessa altura, ele poderia queixar-se à vontade...” O marido a quem a mulher acusa de não a ajudar com os filhos, na fase de ressentimento, pensa: “Odeio-a. Odeio esta mania de ela estar sempre a queixar-se de mim e de não apreciar aquilo que faço por ela e pelos nossos filhos. A próxima vez que o carro precisar de ir à oficina, vai lá ela...”

Esta fase de conflito é muito delicada porque, ao deixar avolumar o problema, o diálogo é mais difícil. No entanto, DeAngelis continua a aconselhar que se diga a verdade sobre aquilo que se está a sentir. Para não passar ao terceiro “R”, a Rejeição...

A rejeição significa separação emocional, física ou ambas. É uma fase muito grave que pode ser vivida, segundo esta terapeuta, de forma activa ou passiva. Quem está na fase de rejeição de forma activa diz que se quer separar, fala em divórcio, recusa cooperar com o parceiro, queixa-se frequentemente, discute por tudo e por nada, recusa os avanços sexuais da outra parte, passa a maior parte do tempo possível longe do marido ou da mulher. A outra metade do casal está a receber sinais inequívocos do estado em que está a sua relação e daquilo que o marido ou a mulher está a sentir.

Mas não é isso que acontece quando a rejeição é feita de forma passiva. Nestes casos, um dos lados não percebe o que o outro está a sentir, simplesmente porque... o outro arranjou maneira de esconder a fase de rejeição. Como? De muitas maneiras: tendo fantasias sexuais com outras pessoas, tendo uma relação extraconjugal, perdendo o interesse sexual “sem razão aparente”, tornando-se um trabalhador compulsivo, passando a viver para trabalhar e sonhando, secretamente, com a “liberdade”.

A rejeição é uma etapa do conflito de tal maneira grave que, mesmo recorrendo ao diálogo, DeAngelis afirma que muitos casais não conseguem ultrapassá-la. Mas a verdade é que há relações que chegam a entrar na fase do quarto “R”: Repressão.

A maior parte das pessoas que está a passar por este “patamar” do conflito diz a si própria coisas como: “Já nada interessa”, “Temos de aprender a viver assim por causa das crianças”. Os casais na fase de repressão, de uma maneira geral, são muito civilizados e atenciosos entre si. E mesmo os amigos mais íntimos podem não perceber o que se está a passar.

Pare. Escute. Olhe. Preste atenção aos sinais. O seu casamento está à beira do divórcio? Fale. Peça a ajuda de um terapeuta familiar. Mas, agora que conhece os sintomas e sabe qual é o remédio, salve o seu casamento!

Sintomas e cura

A psicóloga Maria Saldanha foi uma das pioneiras da Terapia Familiar em Portugal.
E alerta-nos para os sinais de perigo numa relação.

“Um divórcio não surge do nada. Há mudanças de certos comportamentos que podem ser premissas de divórcio: alterações da maneira de ser, da maneira de estar, desinvestimento em casa. Os procedimentos são lógicos.”

O remédio para os males de uma relação é o diálogo: “Muitos dos problemas surgem porque as pessoas não sabem comunicar. Hoje, a maior parte das pessoas não é capaz de dizer o que sente, o que pensa, o que quer.”

Saber ouvir é fundamental: “É preciso parar para ouvir e compreender as razões do outro. Não só nos casamentos como em todas as áreas da nossa vida.”

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