Diário de Notícias - 25 Nov 05

Praxar as praxes

João Miguel Tavares

 

Em 1991, graças a essa inesquecível actividade académica chamada "praxe", fui obrigado a simular uma escaldante cena de sexo com um sinal de trânsito, numa das esquinas mal frequentadas do Instituto Superior Técnico. Não foi bom para mim e, francamente, também não me parece que tenha sido bom para o sinal de trânsito. Desde esse tempo, nutro pelas praxes a estima que se imagina - daí que a decisão inédita de levar a julgamento seis alunos da Escola Superior Agrária de Santarém, acusados de terem humilhado publicamente uma jovem estudante, tenha sido a melhor notícia que tive esta semana.

Segundo relataram os jornais, em Outubro de 2002, a "comissão de praxes" daquela escola superior terá levado a jovem e mais 30 caloiros para uma quinta das redondezas onde, imersos em ambiente bucólico, lhe esfregaram a cara com dois sacos de esterco de porco, seguindo-se um mergulho de cabeça em bosta de vaca. Foi simpático da parte dos "veteranos" terem variado nos excrementos, mas ainda assim a jovem decidiu avançar com uma queixa nos tribunais. Curiosamente, tanto colegas como professores recusaram-se a prestar declarações durante a fase de inquérito, o que diz bastante sobre a conivência que os próprios docentes têm para com a mais reles barbárie.

Existe um discurso articulado que garante que as praxes são uma forma de integrar os novos estudantes na instituição onde irão passar os próximos anos das suas vidas. Esse discurso é uma mentira sem vergonha. As praxes não têm outra função para além de humilhar e exercer um poder discricionário sobre os mais fracos, e é inadmissível que tais práticas sejam permitidas em universidades. Esperemos que esta primeira ida das praxes a tribunal consiga criar jurisprudência para, pelo menos, limitar a violência injustificada que se pratica a cada início de ano lectivo. Praxar as praxes - eis o que se torna verdadeiramente urgente.

 

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