Em 1991, graças a essa inesquecível
actividade académica chamada "praxe", fui
obrigado a simular uma escaldante cena de
sexo com um sinal de trânsito, numa das
esquinas mal frequentadas do Instituto
Superior Técnico. Não foi bom para mim e,
francamente, também não me parece que tenha
sido bom para o sinal de trânsito. Desde
esse tempo, nutro pelas praxes a estima que
se imagina - daí que a decisão inédita de
levar a julgamento seis alunos da Escola
Superior Agrária de Santarém, acusados de
terem humilhado publicamente uma jovem
estudante, tenha sido a melhor notícia que
tive esta semana.
Segundo relataram os jornais, em Outubro de
2002, a "comissão de praxes" daquela escola
superior terá levado a jovem e mais 30
caloiros para uma quinta das redondezas
onde, imersos em ambiente bucólico, lhe
esfregaram a cara com dois sacos de esterco
de porco, seguindo-se um mergulho de cabeça
em bosta de vaca. Foi simpático da parte dos
"veteranos" terem variado nos excrementos,
mas ainda assim a jovem decidiu avançar com
uma queixa nos tribunais. Curiosamente,
tanto colegas como professores recusaram-se
a prestar declarações durante a fase de
inquérito, o que diz bastante sobre a
conivência que os próprios docentes têm para
com a mais reles barbárie.
Existe um discurso articulado que garante
que as praxes são uma forma de integrar os
novos estudantes na instituição onde irão
passar os próximos anos das suas vidas. Esse
discurso é uma mentira sem vergonha. As
praxes não têm outra função para além de
humilhar e exercer um poder discricionário
sobre os mais fracos, e é inadmissível que
tais práticas sejam permitidas em
universidades. Esperemos que esta primeira
ida das praxes a tribunal consiga criar
jurisprudência para, pelo menos, limitar a
violência injustificada que se pratica a
cada início de ano lectivo. Praxar as praxes
- eis o que se torna verdadeiramente
urgente.