1 de Julho de 2000 - "Pais e Filhos"

Pelos direitos das famílias numerosas 

AFINAL AINDA EXISTEM!
 

É claro que cada vez são menos e até já pensávamos que não existiam. Hoje, são raros os casais que se atrevem a ir além do segundo filho, mesmo que ter uma grande família fizesse parte dos seus projectos. Mudar este estado de coisas passa pela luta dos direitos "próprios e legítimos" das famílias numerosas. 

Paula Carvalho


Uma pequena e discreta notícia publicada no caderno de Economia do "Expresso" dava conta de algumas intenções do Governo no que se refere às "famílias numerosas". 

Não é comum, não é nada habitual ouvir-se falar em famílias numerosas por estes lados, habituados que estamos ao "casal com um filho" e no máximo ao "casal de dois filhos". E mesmo que não passe do plano das boas intenções a encerrar a legislatura anterior, e fique bem aos políticos preocuparem-se com a situação das "famílias numerosas" portuguesas quando a matéria é fiscalidade, esta novidade dos políticos seja o PS, o PSD ou o CDS-PP começarem a falar no assunto é um bom sinal para a associação que não tem parado neste último ano, o primeiro da sua vida. 

Um "brilharete" como diz Fernando Castro, um dos elementos da direcção da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, conseguir pôr os dirigentes de três partidos políticos a falar do assunto, mesmo que agora reste esperar por medidas concretas. 

No fundo, o objectivo da associação é que o Governo concretize o estipulado na Resolução do Conselho de Ministros de Fevereiro de 1999 , nomeadamente a promessa de eliminar as discriminações fiscais a desfavor da família e "reponderar" os abatimentos em função dos seus elementos, valorizando, nomeadamente, o esforço das famílias nas áreas da socialização, educação, formação e saúde e ainda de "estudar, em sede de IRS", a eventual alteração dos níveis das taxas e do número de escalões. Até agora apenas promessas! 

IRS INJUSTO 

Já chegaram aos senhores que decidem e agora "estamos a fazer tudo para que o assunto "famílias numerosas" esteja na agenda política da "rentrée"", acrescenta Fernando Castro. E as prioridades da associação vão para a questão da fiscalidade e da educação, onde as famílias se sentem mais penalizadas. 

Porque o IRS é "um imposto injusto, incoerente e promotor de desigualdades" não faltam exemplos: 

Enquanto o IRC permite deduzir todas as despesas das empresas que sejam necessárias para o seu funcionamento, pelo contrário, o IRS, apesar de estar consagrado no art. 67 da Constituição que a família é o elemento fundamental da sociedade, não permite deduzir as despesas "mais elementares" para a sobrevivência dos seus elementos. 

"Senão vejamos - prossegue Fernando - porque motivo existe uma dedução de 27.950 escudos por cada sujeito passivo (55.900 por casal) mais cerca de 20.000 por filho?

Porque motivo a dedução não é igual, pelo menos, ao salário mínimo anual, por elemento da família?

A família não tem que beber, comer e vestir-se, pelo menos? 

E não tem que pagar habitação, transportes, electricidade, a educação dos seus filhos? 

Ou isto são luxos? 

Por que motivo o limite do seguro de doença é de 27.200 escudos por ano independentemente da dimensão da família? 

Por que motivo as despesas de educação penalizam as famílias numerosas? 

Até o imposto automóvel é injusto! Porque motivo viaturas de sete lugares não têm todas o mesmo IA?!"

Por todas estas razões, a APFN quer a revisão "urgente" do regime fiscal a que estão sujeitas as famílias portuguesas e que penaliza sobretudo as mais numerosas. 

Até porque a correcção destas anomalias "não implica nenhuma reforma fiscal demorada e eventualmente susceptível de grandes controvérsias", insiste.

Aliás um pouco por toda a Europa, as ajudas a famílias numerosas passam essencialmente pelo desagravamento fiscal e por subsídios familiares.

A educação é outro quebra-cabeça, se as reformas escolares deixam os pais "perdidos" tenham muitos ou poucos filhos, os livros são grandes responsáveis pelo desequilíbrio do orçamento doméstico, uma vez que as mudanças de ano para ano não facilitam a passagem de um irmão para o outro. 

Mas não se trata apenas de "durar" mais tempo, o preço dos livros escolares é outra queixa, ainda mais quando a conta é a multiplicar.

A pensar nos mais pequenos lá de casa, a associação defende o incentivo à criação dos regimes de frequência em "tempo parcial" da creche e jardim de infância, em alternativa ao dia todo, nomeadamente na circunstância em que um dos pais decidiu desempregar-se para cuidar dos filhos. Mas é claro que este meio tempo deverá corresponder ao pagamento de "meia-mensalidade".

Sinais positivos

Talvez o facto dos políticos começarem a falar no assunto seja um indício de que as coisas podem começar a mudar, um sinal de que o esforço da associação não tem sido em vão, que estes pais e mães de muitos, muitos filhos ainda arranjam tempo para unir esforços pela defesa dos "direitos naturais, próprios e legítimos das famílias numerosas". Algo de que na verdade já não estávamos habituados a ouvir falar, ou até já nem imaginássemos que existisse... afinal famílias de cinco, seis, oito e 10 filhos são coisas da nossa infância, assim do tempo dos nossos avós. 

A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas foi criada a 22 de Abril de 1999 e até Julho deste ano já tinha reunido 500 sócios. 

Ao que parece todas as semanas aparece mais alguém seja porque ouviu falar da associação numa revista, num programa de televisão e ainda através da internet onde dispõe de um site. 

A verdade é que foi preciso começar do zero e os exemplos das associações congéneres europeias, nomeadamente a espanhola, têm dado uma grande ajuda no que se refere às políticas familiares desenvolvidas na Europa. 

Mesmo aqui ao lado, na Catalunha, por exemplo, uma família dita numerosa tem direito a uma cartão familiar, tipo cartão jovem, que é atribuído a cada um dos seus elementos e que lhes permite o acesso a uma série de vantagens e descontos nos serviços e entidades aderentes. 

Esse cartão surgiu por proposta da associação de famílias numerosas da Catalunha - aliás um dos sonhos da APNF para Portugal - que começou por valer descontos na educação, nos transportes públicos acabou por ter um efeito bola de neve estendendo-se aos consumos domésticos (água, luz, gás), acesso ao crédito e serviços financeiros. 

Inclusive foi editado um guia para que as famílias ficassem a par de como e onde poderiam beneficiar desses descontos que de uma maneira geral oscilam entre os 5 e os 15 por cento, fixando-se na sua maioria os 10 por cento, no entanto no caso dos museus, teatros e espectáculos chegam a atingir os 40 por cento. 

Tendências

Num dos cadernos publicados pela associação estão reunidos um conjunto de dados do Instituto Nacional de Estatísticas que fazem o retrato da situação. Em 1997 (data dos dados disponíveis) existiam no nosso país 3.416.699 famílias, das quais 255. 416 com três ou mais filhos. Comparativamente, as famílias com um filho somavam 977.311 e com dois filhos 728 032. Ou seja, apenas 13 por cento das famílias têm 3 ou mais filhos. 

Quanto à situação profissional do casal em função do número de filhos é "notório" o aumento da percentagem de "um desempregado" à medida que a família cresce, nomeadamente a partir do terceiro filho. É ainda expressiva a diminuição destas famílias ao longo do tempo, sendo possível encontrá-las em maior percentagem nas regiões autónomas da Madeira e Açores, seguidas pelo Norte do País, e em menor número no Alentejo.

Em 1998 nasceram 113,510 crianças das quais apenas 10,6 por cento já tinham 2 ou mais irmãos. Quase 60 por cento desses nascimentos corresponderam a filhos únicos. Com a taxa de natalidade a fixar-se actualmente em 1,4 filhos por casal pode verificar-se que desde 1981 o índice de fecundidade é inferior em 50 por cento ao valor recomendado para a renovação das gerações (2,1). "Isto quer dizer que cada dois casais deveriam ter mais um filho e muitos casais bem que gostariam, mas a realidade é que não estão dispostos a ser penalizados por isso" acrescenta Fernando Castro lembrando o relatório da ONU divulgado em Março último, mais um aviso sobre o envelhecimento da população.

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