Procriação Eticamente
Assistida?
Por PEDRO FEVEREIRO, biólogo e membro do Conselho Nacional de
Ética para as Ciências da Vida
A polémica em torno dos limites
éticos levantada pela divulgação de um texto preliminar sobre um
parecer relativo à procriação medicamente assistida, em
elaboração no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da
Vida, faz-me escrever este texto.
Sinto-me chocado pela forma como
esta problemática foi exacerbadamente apresentada e publicitada!
Em primeiro lugar, o texto, que
foi inaceitavelmente tornado público, é uma versão não discutida
e não aprovada pelo conselho. O texto sofreu uma primeira
apreciação quanto à forma (e não quanto ao conteúdo) na última
reunião do conselho a 9 de Março.
Em segundo lugar, porque o parecer
que vier a ser emitido pelo conselho não é vinculativo.
Em terceiro lugar, porque
componentes fundamentais do documento são (deliberadamente?)
omitidas: as que se referem à necessidade de regulamentação
urgente (inexistente no nosso país); à verificação ética e
deontológica das condições em que é realizado em Portugal este
conjunto de técnicas terapêuticas; e à criação de uma entidade
acreditadora independente.
Finalmente, porque estou
convencido que o conselho assume como base para a discussão
desta temática o direito inequívoco à procriação e à
maternidade, o inequívoco cariz terapêutico deste acto médico e
o direito que assiste (embora com diferentes apreciações) ao
embrião humano.
Cabe portanto perguntar porquê
tanto alarido. Será que não se pretende a regulamentação desta
actividade? Será que os portugueses não têm o direito (e o
dever) do escrutínio ético de uma actividade tão melindrosa?
Será razoável não sabermos quantos embriões congelados existem
actualmente em Portugal e qual a utilização que deles se faz? E
será razoável que floresça uma actividade privada neste domínio,
sem qualquer verificação ética e deontológica? Será que os
investigadores e técnicos que trabalham nesta área não devem ser
questionados e tudo lhes deve ser permitido sem qualquer
restrição?
Esta publicitação não afectará
decerto o trabalho do Conselho. Mas quais as suas reais
intenções? Condicionar o legislador? Permitir a manutenção de
uma situação de vazio legal onde tudo é possível, quer na
prestação de um serviço muitas vezes oneroso, quer na
investigação?
As questões que se levantam dizem
respeito sobretudo a três situações concretas: ao diagnóstico
genético pré-implantatório; aos
doadores de gâmetas; e ao número de embriões a produzir. Sou a
favor da introdução de limitações à aplicação destas técnicas. E
existem argumentos que me permitem assumir as minhas escolhas,
com base em raciocínios morais.
Parece-me no entanto inaceitável
assumir que "a moral é de cada um, ninguém tem nada com isso",
como é referido por um dos entrevistados pelo PÚBLICO da edição
de terça-feira. Tal não é verdade, nem é justo, mesmo que se
refira somente ao caso da doação de gâmetas por terceiros. Se
assim fosse, estariam legitimados quaisquer procedimentos, mesmo
os mais aberrantes. Aplicada à procriação em geral, esta máxima
torna lícito qualquer procedimento face ao novo ser humano e
assume implicitamente que ele não tem quaisquer direitos, o que
do meu ponto de vista é inaceitável.
A ética questiona as nossas
atitudes e decisões morais e tenta criar, com base nas respostas
a essas questões, normativos que permitem à sociedade uma
convivência moral equilibrada. Preferirão os portugueses evitar
questionar e regulamentar os procedimentos da procriação
medicamente assistida? Creio que não.