Expresso - 24 Abr 04

 

Empresa e Família

António Pinto Leite

 

«A desagregação da família, fenómeno historicamente recente, contém um factor multiplicador tremendo.»

 

UMA DAS preocupações centrais de um gestor ou de um empresário com recta consciência é a de possibilitar a todos os colaboradores um equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar.

Foi neste quadro de preocupações que a ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores) encomendou à Universidade Católica um estudo sobre a Família, estudo dirigido, com a qualidade usual, por João Carlos Espada e agora publicado.

Se os responsáveis empresariais cristãos estavam já motivados para a necessidade de protecção dos equilíbrios de vida dos seus colaboradores, ainda mais motivados deverão ficar.

A primeira conclusão do estudo é a de que as tendências verificadas em Portugal estão alinhadas pelas tendências europeia e norte-americana. Portugal não é uma ilha.

O estudo analisa a realidade norte-americana e apresenta indicadores que merecem reflexão.

Desde logo, a emergência absolutamente maioritária de tipologias familiares alternativas, de tal modo que os lares de «casais casados com filhos próprios» é apenas de 24%. Isto é, só um em cada quatro lares.

Depois, a redução drástica de número de pessoas por lar. Em 2000, havia 2,61 pessoas por lar, ou seja, os EUA vivem em perfeito «tête-à-tête» (em Portugal, em 2001, já tínhamos baixado a linha das 3 pessoas por lar).

Também a taxa de divorcialidade aumentou exponencialmente, sendo que só 1 em cada 3 crianças vive com os dois progenitores e a probabilidade de uma criança americana testemunhar o divórcio dos pais é hoje de 1 para 2.

Em Portugal, diga-se, em 1970 havia 163 casamentos para 1 divórcio e, em 2000, havia 3 casamentos para 1 divórcio.

O estudo é francamente elucidativo sobre as consequências desta situação no rendimento das famílias e, sobretudo, nas crianças.

Não se pode analisar este fenómeno apenas a partir da experiência pessoal de cada um. Filhos de pais divorciados ou de mães solteiras podem, como é óbvio, ter um comportamento e uma capacidade de realização, de si e dos outros, superior a filhos de pais casados.

Importante é ver o que, em regra, sucede. Trata-se de relações de probabilidade e não de causalidade.

As crianças americanas que viveram em famílias monoparentais têm uma probabilidade superior em 92% de se divorciarem, três vezes superior de ter filhos fora do casamento, duas vezes e meia superior de virem a ser presas e vinte vezes superior de virem a sofrer maus tratos, nomeadamente por negligência.

A principal conclusão a retirar é a de que a desagregação da família, fenómeno historicamente recente, contém um factor multiplicador tremendo.

O estudo traz ainda uma perplexidade e uma esperança.

Perplexidade, porque uma das investigações realizadas conclui que a probabilidade de um casamento vir a terminar em divórcio é o dobro nos casos em que os cônjuges coabitaram antes do casamento.

Esperança, porque os inquéritos demonstram que a realidade social não teve directamente impacto nos valores culturais dos americanos.

Para 93% dos inquiridos «terem um casamento feliz» continua a ser o objectivo mais importante, sendo que 75% acham que é um «compromisso para a vida» (curioso que 81% dos divorciados acham o mesmo).

Voltando aos responsáveis empresariais, é de notar que 80% das mães entre os 18 e os 29 anos preferiam ficar em casa a ter um emprego a tempo inteiro e 70% dos pais entre os 20 e os 40 anos prescindiriam de parte do salário para ficar com os filhos.

A esperança está aqui, no clamor do coração humano, a que é urgente corresponder.

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