Público - 25 Abr 04

Estado Civil: Separado com Comunhão de Bens
Por BÁRBARA WONG, com Emília Monteiro

A fiscalidade pode acabar com um casamento. Que o digam os casais com filhos que optaram por se divorciar ou separar por causa do IRS, ou os que concluíram que não valia a pena formalizar o acto, com cerimónia e papel passado, porque o Estado seria mais benévolo se continuassem solteiros, mesmo com filhos.

Embora não existam dados concretos sobre as causas de separação, a verdade é que o número de divórcios por mútuo consentimento e de separações de facto tem vindo a aumentar nos últimos cinco anos. As estatísticas não descrevem as causas, mas algumas pessoas contactadas pelo PÚBLICO não têm dúvidas de que a fiscalidade penaliza as famílias e que estas optam por cumprir a lei adoptando outro estado civil.

Recentemente, a coordenadora nacional para os assuntos da família, Margarida Neto, em entrevista ao PÚBLICO, declarou que "a fiscalidade tem de reconhecer que quem se casa não pode pagar mais impostos por isso". Mas é isso o que tem vindo a acontecer, fruto da "estupidez de quem criou estas regras", reage José Miguel Júdice, bastonário da Ordem dos Advogados, que diz ter conhecimento desses casos. Também o cardeal patriarca, na última conferência episcopal, referiu que há casais que tomam essa opção e criticou o facto de não existir uma "política unificada" para a família.

Desde a sua fundação, há cinco anos, que a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) apela ao Governo para rever os impostos em função da família, não só o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), como o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Recentemente, a associação enviou aos seus sócios uma informação onde explica como é que as pessoas, com o mesmo número de filhos, mas divorciadas ou separadas, não pagam tantos impostos.

A APFN convida os associados a fazer uma simulação do seu IRS no site do Ministério das Finanças (www.e-financas.gov.pt/simulador/2003/html). Contudo, deixa muito claro que não recomenda a ninguém que o faça. Apesar disso, o seu presidente, Fernando Ribeiro e Castro, pai de 13 filhos, decidiu optar pelo "estado civil: separado com comunhão de bens".

"Estou a dar a cara por isto. Vou fazer uma escritura de separação de facto, fixar a pensão de alimentos e, em paralelo, deixar testamento em favor da minha mulher", explica.

Uma salvaguarda que Maria (nome fictício), 50 anos, e o marido não previram quando se divorciaram "há uma meia dúzia de anos". Entretanto, o marido adoeceu e acabou por falecer. "Não tive direito a pensão de sobrevivência porque estava divorciada", lamenta.

Teresa e Gonçalo conheceram-se há sete anos e fizeram planos para casar, mas desistiram depois de nascer o primeiro filho e de Teresa, quadro médio numa empresa internacional, declarar em IRS que era mãe solteira. Há dois meses nasceu o segundo filho e Teresa confessa que "compensa", não só no que recebe em IRS, como de abono de família e na mensalidade da escola, que é calculada tendo em conta a sua declaração de impostos. "Para o Estado, eu sou uma família monoparental e os meus filhos beneficiam com isso."

Também há católicos que vão casar a Espanha e, em Portugal, mantêm o estado civil, solteiros ou viúvos, para não perderem regalias, como bolsas de estudo ou reformas.

Casados obrigados a declarar rendimentos em conjunto
"Em Portugal, quem está casado e tem filhos é penalizado no IRS", diz Rosa Freitas Soares, especialista em fiscalidade na consultadoria Deloitte & Touche.

A lei não permite que os casados possam declarar os rendimentos em separado, mesmo os que casaram com separação de bens, o que é um "anacronismo", afirma Isabel Marques da Silva, professora de Finanças Publicas na Universidade Católica Portuguesa. "A grande injustiça não é a contribuição conjunta em si, mas a sua obrigatoriedade. Até em Espanha foi considerada inconstitucional", declara. "É um sistema retrógrado", continua a docente, justificando que pessoas que vivem em união de facto têm liberdade de declarar os rendimentos em conjunto ou em separado.

"Como só é feita uma declaração, há deduções que só podem ser feitas uma vez", frisa Rosa Freitas Soares.

Numa simulação elaborada pela Deloitte, a pedido da APFN e tendo como objectivo mostrar qual a carga fiscal incidente sobre um agregado familiar constituído por um casal com três dependentes e sobre duas pessoas solteiras, com dependentes, e com um rendimento bruto de setenta mil euros, os resultados são claros: o imposto a pagar pelos casados é de 10.673 euros, enquanto os solteiros se ficam pelos 8210. Rosa Freitas Soares garante que, em termos fiscais, "o mais compensador é estar solteiro ou divorciado".

"O rendimento deveria ser distribuído por quantas pessoas tem um agregado familiar", diz Diogo Leite de Campos, professor de Direito Fiscal em Coimbra e que presidiu à comissão que elaborou a lei geral tributária. O que acontece, a uma família com mais filhos, é que "o fisco faz de conta que o rendimento é distribuído apenas pelo casal". "É ilegítimo que despesas essenciais como saúde e educação tenham 'plafonds'", continua o fiscalista.

"Na lógica de que marido e mulher devem dividir o rendimento pelos dois, é da mais elementar justiça que o possam dividir por todos os elementos do agregado. Isto não é uma questão de beneficiar a família, mas da mais elementar justiça", conclui o professor, que apresentou estas e outras propostas a pedido do então ministro das Finanças, Sousa Franco, mas que acabaram por "ficar na gaveta".

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