|
Publico -
08 Abr 06
Enfrentar o desafio da reforma da educação no
Reino Unido e... em Portugal
Francisco Vieira e Sousa
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Luís de Camões
No mês passado, o primeiro-ministro inglês conseguiu
impor ao seu partido a aprovação da reforma educativa proposta no livro branco
intitulado Melhor Qualidade, melhores Escolas para Todos - Mais Escolhas para
os Pais e para as Escolas, que, em conjunto com a ministra da Educação, Ruth
Kelly, vinha promovendo desde Outubro.
Digo "conseguiu impor", porque o debate final em sede parlamentar, não obstante
a justeza das propostas, não evitou a tradicional querela partidária do
posicionamento ideológico entre esquerda e direita, com uma parte significativa
do Partido Trabalhista a votar contra.
A ideia-força da reforma de Blair é a de que a forma mais eficaz de assegurar
níveis educativos de qualidade e melhores escolas para todos é garantir a
escolha da escola pelos pais. De facto, no essencial, as medidas preconizadas
têm como objectivo possibilitar a todas as famílias a escolha da escola a
frequentar pelos seus filhos. Entre estas destacam-se o financiamento público às
escolas privadas que prestem o serviço público de educação, o incremento da
autonomia das escolas estatais, o transporte gratuito dos alunos que têm menores
recursos económicos para a escola da sua escolha, desde que situada a menos de
dez quilómetros da residência, a introdução de um serviço local de promoção e
apoio à escolha dos pais menos informados e o posicionamento das autoridades
centrais e locais como garante da qualidade e da equidade do sistema e não como
prestadores propriamente ditos do serviço de educação.
Para muitos, tudo isto parece novidade, mas a verdade é que Tony Blair não está
"a inventar a roda". Esta reforma vem no seguimento de uma anterior abertura do
sistema a uma sã concorrência entre prestadores do serviço público de educação,
lançada em 1997, e segue de perto as mudanças que outros países, especialmente
os escandinavos, têm vindo a pôr em prática desde a última década do século
passado. A Europa, ou parte dela, percebeu que os seus sistemas de ensino
nacionais, criados centralmente para responder à necessidade de estender a
educação a toda a população, não seriam capazes de responder às exigências da
sociedade de informação emergente. O modelo seguido até então, que havia
permitido vencer o desafio da quantidade, revelava-se incapaz de ultrapassar o
desafio da qualidade, de tal modo que o insucesso escolar crescia e o topo da
classificação dos indicadores educativos internacionais começava a ser dominado
por países asiáticos.
A reforma de Blair visa transformar a actual estrutura rígida e burocratizada do
serviço público de educação numa estrutura flexível, onde a inovação e a
capacidade criativa não sejam a excepção, mas a regra, proporcionando a todos o
acesso a um ensino de maior qualidade, mais próximo da realidade de cada aluno e
da sua comunidade educativa. Para tal, propõe-se, por um lado, dar expressão
real à capacidade (e direito) dos pais escolherem a escola que consideram ser
mais adaptada para os seus filhos e, por outro, utilizar um bem valioso, até
agora menosprezado, que é a energia dos cidadãos, pais, professores,
associações, igrejas, fundações, empresas, etc., abrindo o sistema educativo a
todos os actores locais que desejem contribuir com o seu esforço e sabedoria,
desde que cumpram certos requisitos do serviço público de educação.
Os opositores à mudança, supostos guardiães da igualdade, agitam três fantasmas
ideológicos que a queda do Muro de Berlim deveria ter enterrado definitivamente:
(1) o favorecimento das classes dominantes, afirmando que um sistema assim seria
gerador de grande iniquidade, com os alunos provenientes de meios familiares
economicamente favorecidos a frequentar as melhores escolas; (2) a superioridade
moral do Estado, na suposta incapacidade dos pais de saberem escolher a escola
dos filhos, ou podendo, não conseguirem tornar essa escolha efectiva; (3) a
perfídia do mercado e da iniciativa privada, uma vez que a competição entre
escolas seria prejudicial ao seu funcionamento, principalmente se parte das
escolas fosse gerida ou detida por entidades privadas, preocupadas com a
minimização dos custos e apenas animadas pelo lucro.
Acontece que o diagnóstico traçado pelo livro branco inglês acerca do seu
sistema educativo não difere muito dos múltiplos diagnósticos que por cá se
fazem. Quando muito, estará em causa o grau, que não a categoria das
deficiências identificadas. Lá, como cá, "o diferencial na frequência entre
escolas com elevados índices de sucesso e escolas com baixos resultados é
demasiado grande". Lá, como cá, "os resultados educativos das crianças ainda
estão intimamente ligados ao estatuto económico e social de seus pais",
tornando-se um entrave à promoção cultural e social dos mais pobres.
Tony Blair teve a seriedade intelectual e a coragem política de dizer ao povo
inglês aquilo que em Portugal muitos também começam a dizer em voz baixa, mas os
cânones do politicamente correcto impedem muitos outros de afirmar em voz alta:
que só a liberdade de educação, incluindo de escolha da escola, é capaz de
garantir a igualdade de oportunidades de educação. Para os alunos mais pobres,
"uma escola igual para todos" significa frequentemente uma escola esquecida e
sem qualidade; em contrapartida, o actual sistema acaba por beneficiar os alunos
provenientes de famílias mais favorecidas, quer recorrendo a formalismos em que
os centralismos burocráticos são prólogos, quer escolhendo viver na vizinhança
das escolas melhores, quer optando por escolas não estatais.
A garantia de liberdade de educação para todos é a única forma de defender e
promover a igualdade de oportunidades de educação com qualidade para todos. Este
deveria ser o princípio estruturante de qualquer reforma educativa em Portugal,
a partir do qual a mudança brotaria sem dor, a partir de cada realidade. Com
efeito, num sistema educativo constituído de igual forma por escolas estatais e
não-estatais com ampla autonomia, em que imperasse a possibilidade de escolha
dos pais, as aulas de substituição, o prolongamento dos horários escolares ou a
estabilização do corpo docente seriam uma realidade há muito, sem qualquer
necessidade de imposição superior. Nas palavras de Tony Blair, trata-se de
"garantir que as melhorias se tornem auto-sustentadas no interior das próprias
escolas, com as escolas e os pais a determinarem e conduzirem a mudança".
A José Sócrates e a Maria de Lurdes Rodrigues pede-se, pois, a coragem de
avançar com idêntica reforma, para que também Portugal consiga níveis educativos
de qualidade e melhores escolas para todos. Militante socialista e membro do
Fórum para a Liberdade de Educação |