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Público - 24 Abr 06
Não chega "mais do mesmo". É preciso mais "de
mais"!
Graça Franco
De boas intenções está o descalabro da nossa
economia recheado de exemplos
Há quinze dias, quando aqui
escrevi um texto titulado " Mau. Mesmo péssimo!"
sobre os resultados da política orçamental em 2005,
fi-lo com a estranha sensação de ser uma voz
isolada, no papel ingrato do desmancha-prazeres. Os
relatórios do Banco de Portugal, do FMI e da OCDE
vieram comprovar que a verdade económica de que
falava, é afinal bem pior! No meu texto terminava
afirmando que, pior do que tentar convencer os
portugueses de uma mentira, era o próprio Governo
convencer-se de que estava a falar verdade
acreditando que um défice de 6 por cento era um bom
resultado. Só volto à carga porque, nos últimos
dias, me pareceu que este segundo risco permanece e
é maior do que imaginara.
Um dos dados mais preocupantes, da quase demência
que caracterizou a fase final do Governo Santana
Lopes, foi a sua absoluta incapacidade de suportar a
normalidade da crítica. Consideravam, cada chamada
de atenção para a realidade, um ataque do "inimigo".
O efeito, viu-se!
As centrais de propaganda tem destas coisas. Afogam
os próprios políticos, que é suposto servirem, no
mundo irreal do elogio mútuo, convencendo-os que só
não vêem as suas óbvias virtudes governativas (!)
meia dúzia de incompetentes perversos que, em última
instância, os querem apear. Resultado: os
governantes cegos pela sua excelência acabam por
perder a noção da realidade.
E porque o risco de repetição da tragédia santanista
parece estar a tornar-se endémico ao governo
Socrático, espero ardentemente que o Engenheiro
tenha a lucidez de - fazendo jus à fama de estudioso
-arranjar umas horinhas, entre acções de propaganda
para, no silêncio do respectivo gabinete, passar em
revista e de marcador em punho as centenas de
páginas dos três relatórios.
O primeiro ministro não pode cair no engodo de
passar a ver Constâncio como uma espécie de traidor
à causa, e de apenas passar os olhos nas resenhas
preparadas pelo respectivo staff , imaginando que os
textos de peritos internacionais apenas confirmam "
que se vai no bom caminho!". Porque não é isso que
lá está. Pelo contrário: a grande lição a retirar
dos três textos é, exactamente, a de que de boas
intenções está o descalabro da nossa economia
recheado de exemplos. Não basta anunciar medidas que
apontam no sentido certo (no Governo Durão Barroso
muitas já apontavam no mesmo sentido e, nalguns
casos, apresentaram resultados num único ano bem
superiores!) , mas é sobretudo necessário, por uma
vez, arriscar concretizá-las imediatamente. Mais,
mesmo quando já existem medidas anunciadas é
essencial somar-lhes outras porque, as já
conhecidas, por si só, não são suficientes. Não se
pede apenas "mais" do mesmo... para se sair desta
crise, que já nos custou seis anos de divergência em
relação à Europa e muito provavelmente nos custará
pelo menos mais quatro anos de novo atraso, exige-se
mesmo muito mais "de mais!".
Percebe-se, aliás, o lapso do ministro das Finanças
quando tentou acalmar os ânimos e deixou escapar que
"não vale a pena entrar em pânico!", nem começar a
"sofrer por conta" porque, "antes de se confirmar o
pior dos cenários" não nos queria, para já, maçar
com o anúncio de novas medidas que, a serem
necessárias, jura (e acredito piamente que cumpra!)
lá terão mesmo se ser tomadas. Quantos ministros das
Finanças gostariam de ter, numa única semana, uma
série de textos deste tipo para mobilizar a
população para a necessidade de mais sacrifícios e
legitimar a necessidade imperiosa de mudar de vida e
adoptar medidas ainda mais impopulares? Em vez
disso, o Governo prefere aconselhar-nos a continuar
à espera que o pior se confirme...
E vamos aos factos. Contra a tese de que os
resultados da política orçamental foram óptimos,
porque não se recorreram a medidas temporárias e a
conjuntura foi pior do que no ano anterior, confirma
o Banco de Portugal o que já se supunha: "o saldo
primário (sem juros)" ajustado ao ciclo e excluindo
as tais medidas temporárias, passou de um défice de
2,2 no PIB em 2004 para 2,6 em 2005 (ainda pior do
que os 2,4 registados em 2001!).
Como se isto não bastasse, as despesas correntes (um
dos indicadores do despesismo...) cresceram quase 7
por cento contra 4,6 no ano anterior, e "as despesas
com o pessoal registaram igualmente um crescimento
significativo", parcialmente explicado "pelo aumento
do número de funcionários públicos". O Governo não
tinha prometido uma redução de 75 mil até final da
legislatura e, logo no fim do primeiro ano, há
aumento?
Pior ainda é a confirmação de que o modelo de
crescimento português está ensanduichado entre a
crescente concorrência feita pelos países asiáticos,
aos nossos produtos tradicionais, e o sucesso dos
novos parceiros europeus que concorrem nos sectores
de média-alta tecnologia (como na indústria
automóvel) onde Portugal estava a dar os primeiros
passos. Consequência: os exportadores nacionais
perderam mais uma vez quota de mercado.
Incapazes de viver com aquilo que temos, públicos e
privados voltaram a endividar-se e, " não obstante a
queda do investimento", as "necessidades de
financiamento externo da economia voltaram a
aumentar". O que traduzido por miúdos significa que,
só porque estamos na zona Euro, a velha ameaça da
crise de pagamentos não está de novo sobre a mesa.
O texto do FMI mostra claramente que o nosso
desequilíbrio externo (com um défice de 9,5 do
produto interno) só é superado, este ano, pela
Islândia. Enquanto para esse país se prevê uma
redução do desequilíbrio de quase 14 por cento do
PIB para 8,6 no próximo ano, a previsão para
Portugal é de que consiga reduzir o descalabro das
contas externas numa miserável décima, para 9,4 por
cento do PIB em 2007, o que nos dará a liderança
destacada entre os mais externamente desequilibrados
dos 29 países mais desenvolvidos.
A própria revisão das perspectivas de crescimento
(menos para Portugal e mais para a Europa) esconde
um alargar da divergência para o dobro com a
diferença de crescimento, a passar de 0,6 para 1,2
pontos.
Isto para já não falar no texto da OCDE que põe o
dedo na ferida da educação, frisando que aí não
basta o folclore do quero, posso e mando
centralista. Pelo contrário, urge devolver a
iniciativa, a autonomia e o verdadeiro mando às
escolas, com directores capazes de escolher o
respectivo staff e prestar contas com autonomia
perante alunos e pais. Se tudo isto não for levado
muito a sério, resta-nos um futuro de ainda maior
pobreza e ignorância. |