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Jornal de Negócios online - 27 Abr 06
Discurso de José Sócrates sobre reforma na
Segurança Social
José Sócrates vai hoje ao Parlamento anunciar
medidas para reformar a Segurança Social. Método de
cálculo das pensões, penalização de reformas
antecipadas e aumento de lugares em creches são
assuntos na agenda. Veja aqui o discurso na íntegra.
1. Segurança social: uma reforma
que não pode esperar mais
Escolhi como tema para este
debate mensal a política de segurança social. A
minha intenção é apresentar nesta Assembleia da
República as linhas de orientação e as principais
propostas do Governo para uma reforma estrutural da
segurança social. Uma reforma que seja capaz de
assegurar a sua eficácia social e a sua
sustentabilidade no curto, no médio e no longo
prazo.
Desde o início, aliás, o Governo
tem levado a sério, muito a sério, o problema da
sustentabilidade da segurança social. Porventura,
como nunca no passado. Foi por isso que, entre
outras medidas, promovemos a convergência dos
regimes de protecção social, a revisão dos regimes
especiais e a alteração do regime de descontos dos
trabalhadores independentes. E foi por isso, também,
que, do lado das receitas, o Governo apresentou
resultados históricos no combate à fraude e à evasão
nas contribuições para a segurança social.
Mas todos sabemos que é preciso
ir mais longe. E chegou o momento de o fazer. Não é
possível esperar mais. Não temos sequer o direito de
esperar mais. O que já sabemos é suficiente para
impor a acção. O que já sabemos prova que cada
adiamento representa mais problemas e mais encargos
para o futuro. O que já sabemos mostra que se não
tomarmos hoje as decisões certas, então, as que
inevitavelmente teremos que tomar no futuro
revelar-se-ão muito mais gravosas para Portugal e
para os portugueses.
2. Um diagnóstico claro e
consensual
Todos os estudos convergem no
mesmo diagnóstico. Em particular, o último estudo
que o Governo publicou e que - pela primeira vez e
com total transparência - foi anexado ao Relatório
do Orçamento do Estado para 2006. Este estudo
confirma, sem margem para dúvidas, a dificuldade da
situação da segurança social.
Refiro apenas os dois aspectos
mais críticos do problema. Em primeiro lugar, a
dinâmica demográfica. Nos últimos trinta anos a taxa
de fecundidade caiu de 2,6 para apenas 1,5 - isto é,
caiu mais de 35%. No início dos anos oitenta, há
apenas vinte e cinco anos, por cada reformado por
velhice havia 3,8 portugueses em idade activa. Hoje
para cada reformado há apenas 2,6 activos. Mais
ainda: nos próximos trinta anos quase duplicará a
percentagem da população com mais de 65 anos. Daqui
resultam dois dados absolutamente incontornáveis:
por um lado, as pessoas vivem hoje mais tempo e,
portanto, estão durante mais tempo a receber as suas
reformas. Por outro, há cada vez menos pessoas a
trabalhar para garantir o pagamento dessas reformas.
Em segundo lugar, o problema
financeiro. Está demonstrado que se nada for feito o
sistema de segurança social entrará em desequilíbrio
já em meados da próxima década. Isto quer dizer uma
coisa muito simples: as receitas previstas não serão
suficientes para fazer face às despesas sociais. Se
tudo ficar como está, teremos necessidade, já nos
próximos anos, de utilizar a reserva do Fundo de
Estabilização. E mais: esse Fundo estará esgotado
até 2015. Este é o problema. E é evidente para todos
que este desequilíbrio afecta gravemente a confiança
no sistema de segurança social.
3. Cinco propostas para uma
reforma estrutural da segurança social
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
A situação da segurança social
exige um programa sério de reforma. Que responda não
só aos problemas de curto prazo mas que se projecte
no futuro, reconstruindo os equilíbrios do sistema
público de segurança social, de modo a garantir aos
actuais e futuros pensionistas as pensões a que têm
direito. Deste programa, que inclui um número
alargado de medidas, quero destacar aquelas que me
parecem ser as cinco medidas mais importantes:
1 - Em primeiro lugar - ligar as
pensões de reforma à evolução da esperança de vida.
O crescimento das despesas com pensões é o que mais
seriamente questiona a sustentabilidade do modelo
social e é sabido que ele deriva, fundamentalmente,
do aumento da esperança de vida, ou seja, do número
cada vez maior de anos em que se está a receber
pensão. Para enfrentar este problema, o Governo
propõe uma resposta flexível e eficaz. Não
aumentaremos a idade legal de reforma, como alguns
têm defendido.
A nossa proposta é outra: é
conceder aos beneficiários um direito de opção entre
três alternativas: ou optam por sujeitar o valor da
sua futura pensão a um ajustamento segundo um
«factor de sustentabilidade» - factor esse que terá
em conta o aumento da esperança média de vida no
momento da reforma e, portanto, o número de anos que
se espera poder vir a beneficiar da pensão - ou,
segunda alternativa, optam por programar um reforço
das suas contribuições ao longo da vida activa, para
que, ao atingirem a idade da reforma, não tenha que
haver nenhum ajustamento no valor da pensão.
Finalmente, terceira alternativa, podem ainda os
beneficiários, se assim o preferirem, optar por
prolongar a sua vida activa pelo número de meses que
for necessário para anular o efeito do referido
«factor de sustentabilidade».
O Governo, naturalmente, está
disponível para discutir os exactos termos deste
factor de sustentabilidade. Mas tomemos um exemplo,
para que a ideia fique mais clara. Se na próxima
década a esperança de vida aumentar um ano, então
quem se reformar daqui a dez anos terá três
alternativas: ou a sua pensão é ajustada pelo
«factor de sustentabilidade», que se estima neste
caso em cerca de 5%; ou, para atenuar, parcial ou
totalmente, o efeito desse factor o beneficiário
opta por aumentar nos próximos dez anos o seu nível
de descontos; ou ainda, finalmente, opta por
prolongar, se assim quiser, a sua vida activa por
mais cerca de cinco meses, por forma a compensar o
efeito daquele «factor de sustentabilidade».
Esta é uma medida necessária,
equilibrada e flexível - mas é, principalmente, uma
medida justa. Todos compreendem que não é possível
manter no futuro as mesmas regras para o pagamento
de pensões que se aplicavam quando a esperança média
de vida era muito inferior aquela que se prevê para
daqui a dez anos.
2 - A segunda medida é também uma
medida essencial para assegurar o futuro das pensões
- trata-se de acelerar a entrada em vigor da fórmula
de cálculo aprovada em 2002 e que considera toda a
carreira contributiva. Esta fórmula, já consagrada
na lei mas apenas para vigorar a partir de 2017,
aumenta a sustentabilidade do sistema e é também
mais justa, porque impede a manipulação das
carreiras, com o reforço das contribuições nos
últimos anos para alcançar pensões desproporcionadas
do verdadeiro esforço contributivo. Torna-se agora
necessário antecipar a entrada em vigor desta
fórmula, para uma data a acordar na concertação
social. Mas esta antecipação será sempre
respeitadora dos direitos adquiridos. Assim, por um
lado esta alteração não será aplicada aos
trabalhadores com muito longas carreiras
contributivas. Por outro lado, a pensão será
calculada de tal modo que, em qualquer caso, a nova
fórmula só se aplique aos períodos contributivos
posteriores à sua entrada em vigor.
3 - Ainda no que respeita às
pensões, há uma terceira mudança que urge
concretizar. Os aumentos anuais de pensões não podem
mais ser deixados à gestão oportunista da conjuntura
política. Esses aumentos devem obedecer a regras
claras, tecnicamente fundamentadas, politicamente
assumidas e devidamente inscritas na lei. Assim, o
Governo proporá que, salvaguardando sempre o poder
de compra das pensões mais baixas, a variação anual
do valor das pensões seja estabelecida em função do
desempenho da economia, nomeadamente tendo em conta
o crescimento do PIB e a inflação. A manipulação
política do aumento das pensões em vésperas de
eleições não pode continuar a ser um risco para a
sustentabilidade de todo o sistema. Mas, por outro
lado, vamos também propor um patamar máximo para as
pensões pagas pelos sistemas públicos, ficando o seu
valor congelado a partir desse limite superior. O
desequilíbrio financeiro na segurança social não é
compatível com cada vez mais pensões de valores
extraordinariamente elevados.
4 - Em quarto lugar, as políticas
públicas não podem continuar alheias aos problemas
da evolução dramática da natalidade. Precisamos de
mais incentivos à recuperação da natalidade. E a
Segurança Social deverá aqui desempenhar um papel,
no contexto de uma política mais alargada para a
família. É por essa razão que proporemos que a taxa
contributiva dos trabalhadores varie, ainda que
moderadamente, em função do número de filhos.
Afinal, é da riqueza criada pelas futuras gerações
de trabalhadores que resultará a garantia dos
rendimentos na velhice dos futuros pensionistas. Não
há, evidentemente, soluções mágicas para este
problema. Mas esta é, sem dúvida, uma mudança justa
e que aponta no bom sentido.
5 - Em quinto lugar, a nossa
protecção social precisa de superar as importantes
fragilidades que ainda subsistem. Por isso, mesmo em
tempo de dificuldades, o Governo não deixou de criar
o Complemento Solidário para Idosos. É este caminho
que vamos prosseguir, para uma protecção social mais
à altura das exigências do tempo presente. Assim, na
reforma do sistema proporemos um reforço da
protecção da invalidez, na deficiência e às famílias
monoparentais. Do mesmo modo, alargaremos a
protecção às crianças e jovens órfãos, para quem é
verdadeiramente decisiva uma melhoria da pensão de
sobrevivência.
4. Preparar o futuro, defender o
Estado Social
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
O objectivo desta reforma é
garantir o futuro. E garantir o futuro significa
renovar com justiça o contrato entre gerações,
partilhando riscos e custos de forma mais
equilibrada para dar solidez e sustentabilidade ao
nosso Estado social.
Tenho consciência de que este não
é um problema qualquer. O sistema público de
segurança social reflecte de certa forma os mais
profundos ideais de um Portugal unido. Ele reflecte
os nossos deveres para com os nossos pais, os nossos
deveres uns para com os outros e os nossos deveres
para com os nossos filhos. Durante meio século fomos
construindo um sistema que se transformou numa
garantia para os cidadãos. Ele é, sem dúvida, um dos
maiores sucessos civilizacionais da nossa história
recente. Pois o nosso dever é que assim continue.
Numa matéria com esta gravidade e
complexidade, o País necessita de todos os
contributos. Precisamos de procurar as melhores
ideias sem qualquer preconceito quanto à sua origem.
O tema exige um debate sério que dignifique a
política e que sirva o País. Solicitei já uma
reunião da concertação social para apresentar e
discutir as nossas propostas de reforma. Este é um
esforço de procura do maior consenso que não podemos
deixar de fazer. Até ao limite do possível. Mas o
Governo não se demitirá de cumprir o seu dever de
agir, concretizando uma mudança que não pode
esperar, para garantir a estabilidade e a confiança
na segurança social.
Que não haja dúvidas, é na
mudança e não no adiamento que está o caminho para
uma maior justiça social. A solução de empurrar para
a frente os problemas não é uma solução é antes uma
demissão.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Este é um debate como poucos. Um
debate em que estamos face a face com toda a
sociedade portuguesa, dos mais jovens aos mais
idosos. Aos mais jovens quero dizer: com esta
reforma a segurança social estará em condições de
garantir as vossas pensões no futuro. Aos mais
idosos quero assegurar que com estas mudanças vamos
garantir a continuidade das vossas pensões e dar-vos
boas razões para continuarem a confiar na segurança
social, pois continuará a ser tão forte como sempre
foi.
Se há uma boa razão para estar na
política, é esta: a de poder contribuir para que o
Estado social que herdámos possa ser legado às
futuras gerações como um valor essencial a preservar
e não como um fardo que terão de suportar. Saibamos,
portanto, estar à altura dessa responsabilidade,
agindo com a nobreza e a seriedade que a questão nos
impõe. |