Público - 29 Abr 06

História de um fracasso

Vasco Pulido Valente

O mal português não é a crise financeira, a crise económica, a crise social ou as três juntas. Mais grave ainda, o mal português, pouco a pouco sentido e reconhecido por quase toda a gente, é o colectivo fracasso do país. Portugal já passou por isto. Basta ler Eça e Oliveira Martins para perceber até que extremo pôde ir o desespero nacional. Chegando à vida pública depois da guerra e do caos civil, a chamada "geração de 70" não viu o pequeno mundo do liberalismo triunfante apenas como um produto, vagamente ridículo, do provincianismo indígena. Longe disso: viu nele a prova de uma incapacidade atávica para criar, como Eça dizia, "uma civilização original e forte". O esforço para expelir o frade e o corregedor, o caceteiro e o morgado custara vinte anos de sacrifício e mesmo, por uma vez, de sangue. E o que vinha agora?
Vinha o conselheiro Acácio e o Gouvarinho, o Alencar e o Ernestinho, o Dâmaso, o Cohen e o padre Amaro. Vinha um parlamento analfabeto e nulo, partidos de intriga e de favor, políticos de secretaria e do "negócio". Não havia ciência ou literatura. Como, de resto, nem ópera, nem teatro. Mas continuava a haver o défice e a dívida, sempre crescendo, e um funcionalismo exuberante e mal pago. A miséria bradava aos céus, no campo e na cidade, e a oratória oficial, imperturbável, insistia nas maravilhas do "Progresso" e nos prodigiosos milagres da "educação". A grande esperança da liberdade acabava numa arrasador e aviltante desastre. Portugal era um sítio, sem nome, nem futuro. Portugal não era principalmente uma Pátria. No fundo, nem sequer existia, a não ser como um perpétuo resíduo da Europa, por natureza irredimível.
O sentimento de fracasso nacional durou mais de meio século, através do fim da Monarquia e do tumulto da República. O salazarismo, apesar da propaganda e da retórica, nunca inspirou, ou pretendeu inspirar, mais do que uma certa satisfação pela imobilidade doméstica, quando lá fora, e logo aqui em Espanha, morriam milhões. Foi preciso o "25 de Abril" e o advento de um regime democrático para Portugal acreditar outra vez que tinha um destino: a "Europa", o desenvolvimento, um módico de igualdade. Bastaram 30 anos para desfazer a ilusão. O país que aí está, trabalha, sofre e paga é, como de costume, um fracasso. Parece que, por baixo de uma grotesca máscara de "modernidade", nunca saiu de facto da sua condição primitiva. Pobre, corrupto, irresponsável e apático, este Portugal não encontra com certeza razão para a sua própria sobrevivência.

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