Diário de Notícias - 27 de Agosto
Civilização jovem
João César das Neves
Os jovens de hoje só pensam no divertimento, no prazer, e rejeitam
como "uma ganda seca" qualquer pequeno esforço ou trabalho. A
juventude não respeita nenhuma autoridade, seja dos pais, dos
professores, da polícia ou da sociedade em geral. Fiada no mito de que
a sua pureza e novidade conseguirão um mundo diferente e melhor, ataca
todos os valores em que foi criada e que sustentam a nossa vida.
Olha que grande novidade! Foi sempre assim. Em todas as gerações e
em todas as regiões, a juventude sempre foi divertida e preguiçosa,
rebelde e sonhadora, turbulenta e provocante, escolhendo só o caminho
mais insólito e heterodoxo. Isto é perfeitamente normal e saudável.
Mas hoje há algo novo.
Vivemos na primeira época em que as características normais da
juventude, em vez de embaterem na autoridade dos adultos, são
incentivadas e promovidas.
Em todos os tempos e povos, a educação, a comunidade e a cultura
sempre procuraram orientar os fulgores da adolescência no sentido da
responsabilidade, preparando-a para a vida futura. Este é o primeiro
tempo em que se passa o inverso.
A revolta da juventude é hoje comercializada em revistas e em CDs,
ensinada em filmes e na Internet. Actualmente existe uma poderosa e
próspera "indústria da juventude" que assume como missão
suscitar, fomentar e orientar o divertimento e a preguiça, a rebeldia e
o sonho, a turbulência e a provocação da juventude. Podia ser
libertador mas é paralisante. A originalidade dos novos segue modas
planeadas que suportam carreiras empresariais. A sua heterodoxia é
concebida pelos conglomerados discográficos e computacionais.
O seu estilo de vida, seja "chunga", "dread",
"beto", "metal", "freak" ou
"gótico", é fornecido por empresas têxteis, tipográficas,
electrónicas, artísticas e publicitárias a preços de ocasião. O
resultado é paradoxal.
Nunca como hoje a juventude andou tanto a reboque dos interesses de
adultos.
Há razões palpáveis para esta contradição. Este é o primeiro
tempo que dotou a juventude de enorme poder de compra. O resultado das
mesadas generosas é que os jovens, com muito dinheiro e pouco senso, se
transformam em consumidores sôfregos e facilmente manipuláveis. Não
há na praça uma fidelização mais forte e capturável que a dos
mercados jovens.
Por isso, cada vez mais sectores se viram para este segmento
insaciável de novidades. Cantores "bué da fixes", chapéus
"cools", bebidas "muita loucas", canetas "baris"
e uma miríade mais, tornam-se imediatamente indispensáveis e são
sugados com ânsia, apenas porque os amigos também usam. Até virar a
moda.
Quando o consumismo chega a produtos como álcool, armas,
alucinogénios, jogo, motores e desportos radicais, o perigo aumenta
exponencialmente. Hoje o divertimento mata mais que nunca. É muito
arriscado ser jovem.
Tudo isto mostra que os pais e a escola se demitiram vergonhosamente
das suas funções. Mas a questão é muito mais que uma demissão. Pela
primeira vez na História, toda a sociedade ocidental pretende ser
jovem, e julga-se divertida e preguiçosa, rebelde e sonhadora,
turbulenta e provocante.
Quando os adultos pretendem ser jovens, os papéis de educando e
educador estão invertidos. Assiste-se a uma verdadeira generalização
da filosofia juvenil. A atitude adolescente deixou de ser heterodoxa
porque passou a ser oficial.
Hoje todos os sectores da comunidade parecem comungar dos ideais de
juventude. Podia ser progresso mas é desorientação. Respeitáveis
pais de família afirmam querer romper com "tabus", as avós
dizem ser modernas e desinibidas e os merceeiros querem ser inovadores.
Os quinquagenários adolescentes serôdios, típicos de todas as
decadências culturais, são hoje dominantes. Qualquer idade busca
freneticamente o divertimento. Todos querem ter espírito jovem.
A intensa transformação estendeu esta turbulência a toda a
sociedade.
Funcionários e políticos dizem ser jovens rebeldes e lutar contra o
sistema que os alimenta. Violentos ataques ao regime são correntes,
publicados nas editoras respeitáveis e em documentos oficiais. Quem
defenda o estado de coisas é repudiado por todos os amigos e colegas.
Qualquer cidadão que se preze deplora a maldade da sociedade e defende
no seu sofá os argumentos mais extremos para a revolta juvenil. A
filosofia de vida foi substituída pelos filmes de culto, pelas músicas
de culto, pelas séries de culto.
Em resumo, os jovens são iguais aos de sempre. A diferença está na
sociedade. É ela que se ataca a si mesma, aos valores em que foi criada
e que a sustentam. Podia ser renascimento mas é confusão.
Os séculos de materialismo e positivismo destruíram as nossas
razões de viver e o nosso ideal superior. Vivemos na primeira
civilização que se despreza profundamente a si mesma. É rica e
poderosa mas não tem sentido na existência e busca-o com ânsia
infantil. O desejo de ser jovem podia ser um dinamismo inovador. É
sobretudo uma máscara da vacuidade imatura.
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