Diário de Notícias - 30 de Agosto
Um bicho de sete cabeças
Diogo Pires Aurélio
Durante vários anos, o Ministério da Educação fez dos resultados
do ensino secundário um bicho de sete cabeças. Havia, obviamente,
afixação das notas, escola por escola. A divulgação, porém, daquilo
que se passava no conjunto dos estabelecimentos de ensino, públicos e
privados, foi sempre contrariada.
E por uma razão, no mínimo, bizarra: fazer comparações seria
perigoso para o sistema e "estigmatizante" para as escolas com
maiores dificuldades.
Este horror à transparência, bastante frequente, aliás, em toda a
história e em todos os sectores da Administração portuguesa, deriva
em grande parte de se pressupor que as pessoas são estúpidas ou
atrasadas, e de que haveria vantagens em manter a sociedade arredada de
certas informações sobre si própria, tais como, por exemplo, o
desempenho de todas e cada uma das escolas. Não é que se ignorasse a
importância desses dados e a necessidade de os analisar para se ter uma
noção exacta do alcance das várias reformas e dos investimentos neste
sector. Considerava-se, no entanto, que esse trabalho era uma espécie
de segredo de Estado, impossível de facultar a leigos e muito menos ao
grande público, sob pena de perturbações mais ou menos graves no
corpo social.
Três ou quatro dias após a publicação da famigerada lista de
resultados, uma tal atitude está reduzida, aos olhos do comum dos
cidadãos, a um simples fantasma. Não só não é de esperar, por via
da divulgação desta primeira radiografia, nenhuma disfunção no
sistema educativo como, inclusivamente, se abriu a porta a uma
discussão de natureza diferente sobre o assunto.
Arrancado o exclusivo da informação ao bojo do Ministério, posta a
comunidade a par do que realmente se passa, as múltiplas instituições
e particulares interessados na matéria estão agora em condições de
debater, criticar e propor alterações. Não é só uma questão de
mais conversa, ainda que fosse conversa com mais informação. É,
sobretudo, uma alteração radical no posicionamento, quer dos decisores,
quer dos vários agentes implicados.
Ministério e professores, estudantes e sindicatos, conselhos
directivos e associações de pais, todos dispõem agora de iguais
condições para apreciar e julgar. Não será, certamente, o fim dos
problemas da educação em Portugal.
Mas será, talvez, o fim de uma conversa de surdos como a que
frequentemente se tem ouvido quando o ensino é debatido na praça
pública.
Escusado será dizer que vai existir muita interpretação
precipitada. Tal como acontece a respeito de outras matérias, a
Comunicação Social tenderá a "puxar" por aspectos menos
significativos e a esquecer outros que seriam importantes para se
perceber a situação. Basta olhar para os diversos rankings que se
fizeram para ver as ambiguidades de semelhante exercício: escolas onde
a média das classificações está a milhas das que se verificaram nos
exames aparecem, por vezes, entre as melhores, o mesmo sucedendo com
outras onde só a nata vai a exame como aluno interno, enquanto a
maioria não aparece nas médias, remetida que foi para o grupo dos
externos. Semelhantes precipitações e equívocos, inevitáveis a
partir do momento em que a discussão ganhou o espaço público, não
chegam, porém, para neutralizar as vantagens da mudança de ambiente
verificada. A partir de agora, os responsáveis sabem que todos sabem o
que se passa. Vai ser, por isso, interessante verificar as conclusões
que o Poder extrairá, por exemplo, do facto de a maioria das escolas,
porventura no intuito - tão estimulado por alguns responsáveis
ministeriais - de não deixar Portugal muito longe das médias
europeias, terem vindo a inflacionar as classificações.