Público - 27 de Agosto

Uma Vitória Saborosa

Por ANTÓNIO BARRETO

A publicação das notas dos exames do 12º ano é, em Portugal, facto inédito.

Sobretudo se publicadas sob a forma de classificação (vulgo "rankings") das escolas devidamente identificadas. Representa uma vitória de todos (pessoas, jornais e instituições) quantos têm vindo, há anos, a defender a necessidade da sua divulgação. E uma derrota dos que persistem nas políticas de secretismo e de recusa de avaliação, por parte da sociedade, do desempenho dos serviços públicos.

Esta vitória fica a dever-se a várias pessoas e, em particular, ao PÚBLICO.

Mas também ao Ministro da Educação, Júlio Pedrosa, naquele que foi um dos seus primeiros gestos desde que tomou posse há escassas semanas. Fê-lo, aliás, da melhor maneira. Em vez de tornar públicas listas "preparadas", entregou à imprensa as bases de dados, o que permite trabalhar livremente os elementos obtidos. Contrariando vícios antigos, libertando-se dos preconceitos de certos "especialistas" de educação e afastando-se dos dogmas de alguns sindicatos, o ministro fez seu o espírito vigente, por exemplo, na Fundação de Ciência e Tecnologia, que publica as avaliações das instituições de investigação. Não se percebia, aliás, a razão pela qual dois ministérios do mesmo governo tinham políticas opostas.

É possível que estes resultados provoquem algum nervosismo. Os que têm piores resultados sentirão vergonha. Os que se julgavam os melhores e não o são ficarão furiosos. Professores, pais, estudantes, técnicos, empregadores e autarcas reagirão, talvez emotivamente, perante maus resultados. Muitos até ficarão satisfeitos com o conhecimento adquirido, mas terão um reflexo atávico: "não se deveria mostrar a toda a gente"... E haverá seguramente polémica técnica. Isto é, não faltarão os que dirão que estes métodos não são rigorosos, não é possível classificar entidades tão diferentes, falta avaliar isto e aquilo... O trivial.

Certo é que, pousada a poeira, os ânimos mais vivos calar-se-ão e as consequências positivas desta divulgação começarão a surgir. Dentro de poucos anos, far-se-ão melhores e mais completas classificações. Outras entidades independentes poderão analisar estas bases de dados. As escolas com melhores resultados sentir-se-ão orgulhosas e tentarão não perder os louros. As descontentes, passada a vergonha, esforçar-se-ão por fugir dos maus lugares ocupados agora. Todos poderão comparar pontos fortes e fracos de cada um e identificar problemas. Os pais terão argumentos para fazer pressão sobre as escolas, as autarquias e o ministério, no sentido de melhorar a formação dada aos seus filhos. As universidades e as empresas poderão estar atentas às condições institucionais dos candidatos a futuros estudantes ou empregados. Os professores terão instrumentos de argumentação, junto do ministério, cada vez que os seus defeitos sejam resultado de deficiências materiais. O próprio ministério terá mais meios de análise e avaliação. O ministro fica a saber que nós sabemos pelo menos parte do que se passa nas escolas. E todos teremos um pouco mais de informação sobre o estado do ensino no nosso país. Estas vantagens e outras são infinitamente superiores aos eventuais inconvenientes. O que é realmente difícil de compreender é a razão pela qual isto não se faz há mais tempo.

As classificações hoje publicadas estão longe da perfeição e dão um retrato parcial da situação. Mas o que dizem é valioso. De futuro, a análise será mais sofisticada. Poder-se-ão incluir cálculos mais reveladores, assim como outras variáveis. Deveríamos ter informação sobre a natureza pública ou privada das escolas, religiosa ou laica, de área predominantemente rural ou urbana, etc. Seria igualmente útil ter elementos sobre a dimensão humana e o género das escolas (feminina, masculina ou mista), assim como sobre as idades dos alunos. E, com o tempo, outras variáveis poderiam ser incluídas, como a existência de cantinas, salas de artes, música e desporto, laboratórios tecnológicos, etc.

As observações que estas classificações permitem são interessantes. E estou certo de que, durante os próximos tempos, animada será a discussão nas comunidades escolares, assim como nas autarquias. Sem falar nos meios profissionais e docentes, ou ainda entre os pais de filhos em idade escolar.

Já é possível, por exemplo, fundamentar uma real preocupação quanto a várias matérias. O ensino da matemática, da física e da biologia é simplesmente miserável, exibindo médias nacionais de 7,4, 9,3 e 9,9 respectivamente. Os restantes deixam muito a desejar, com médias baixíssimas, mesmo se positivas: química - 10,7; história - 10,9; psicologia - 11,0; português A - 11,4; e português B - 11,7. Imagino que muitos se sintam orgulhosos: afinal, as médias nacionais só são negativas em três disciplinas! Ou uma só, se contarmos com os arredondamentos. Mas fracas são a ambição e a responsabilidade, quando tanta mediocridade é motivo de regozijo. Não concebo que apenas se exija o mínimo do sistema de educação, que consome a maior percentagem do esforço financeiro dos contribuintes.

O número de escolas com médias negativas é altíssimo: várias centenas. Em matemática, são 90 por cento; em física, 59 por cento; em biologia, 45 por cento; em química, 37 por cento; em história, 31 por cento. Se contarmos as médias das oito disciplinas, 48 por cento têm média negativa. Se agruparmos as escolas por concelhos, em matemática, por exemplo, a visão é simplesmente absurda: apenas um concelho, ou três, conforme o cálculo, obtém média positiva! Finalmente, retenha-se o facto de as diferenças entre as notas internas e as dos exames nacionais serem excessivas, a denotar deficiências graves do ensino e da atitude de alguns professores.

Estas observações de carácter geral são úteis. Mas mais valiosa é a possibilidade de, escola por escola, concelho por concelho, ver o que está bem e mal, colocando sempre cada caso em contexto mais vasto e comparando sempre com os outros. Só agora se abriu uma porta do sistema educativo por onde se possa entrar e observar. Só agora os cidadãos têm condições para pensar e criticar, em vez de se remeterem à maledicência e à desconfiança. 

Admitiu-se, finalmente, que a escola não pertence exclusivamente aos professores e ao ministério. 

Os três pilares do regime democrático são o voto, o tribunal e a informação.

Com esta publicação, o ministério da educação deu, para o terceiro pilar, um contributo inestimável. Que constituirá precedente para aquele e outros ministérios. Nesse sentido poderemos fixar a data de hoje como a de um momento fundador. Mas convém não esquecer: o ministério agiu desta maneira porque a tal foi obrigado.

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