Público - 27 de Agosto
Um Dia Histórico
Por JOSÉ MANUEL FERNANDES
Pode parecer presunção, mas cabe assumi-lo com frontalidade: hoje
é um dia histórico. Hoje, pela primeira vez em Portugal, o PÚBLICO e
outros órgãos de comunicação social editam os resultados comparados
e seriados das escolas do ensino secundário, resultados esses obtidos
através das médias registadas pelos seus alunos nas provas nacionais
do 12º ano. Hoje, pela primeira vez em Portugal, o que era do
conhecimento de muito poucos no interior do Ministério da Educação,
passa a estar a acessível a todos, professores, pais, alunos,
cidadãos.
Para o PÚBLICO, esta é uma daquelas notícias que gostamos de dar -
até porque nos batemos por ela anos a fio. Fizemo-lo, em primeiro
lugar, porque entendemos que existe um dever de informação e
transparência por parte do Estado e da administração pública. E um
direito de acesso dos cidadãos a essa informação. Se o Ministério da
Educação possui a informação sobre os resultados, escola a escola,
nos exames do 12º ano, não pode fazer dessa informação um exclusivo
da sua burocracia interna. Foi também esse o entendimento da Comissão
de Acesso aos Documentos da Administração (CADA) para onde recorremos
quando, numa primeira decisão do ministério, esta informação nos foi
negada.
Mas fizemo-lo também porque entendemos que a divulgação desta
informação ajuda o sistema educativo a evoluir. Não era essa a
opinião da anterior equipa ministerial, parece ser - felizmente - a da
que tomou posse no passado mês de Julho. O novo ministro, Júlio
Pedrosa, expressava ontem neste jornal a esperança de que a
divulgação pública destes resultados, feita com seriedade - e o
PÚBLICO procura hoje fazê-lo com a maior seriedade e, também,
serenidade -, ajude cada escola, e o sistema como um todo, a evoluírem
e melhorarem. É essa também a nossa convicção.
Basta olhar para os quadros que publicamos nestas páginas e num
destacável especial, para os mapas que elaborámos, para as análises
que os nossos jornalistas e os primeiros especialistas já puderam fazer
sobre os resultados obtidos, para se perceber não só a imensa riqueza
desta informação como, sobretudo, o muito que com ela pode fazer a
comunidade educativa de cada escola, mas também qualquer um de nós
como cidadão.
Mais do que dar respostas - qual é a melhor escola do país? e qual
é a pior? - o trabalho que hoje editamos deve levar-nos a
interrogarmo-nos e a agir.
Por que é que numa mesma escola, com os mesmos alunos, há
excelentes prestações numas disciplinas e péssimas noutras? Por que
é que escolas que são vizinhas e têm condições semelhantes, obtêm
por vezes resultados tão diferentes? O que se passa no interior do
país com a Matemática? Aceitarmos que tantas escolas - sobretudo no
interior - tenham médias tão baixas não será aceitarmos uma espécie
de "apartheid" no direito de acesso a uma educação de
qualidade? Porque será que havendo na minha área de residência uma
escola que obtém melhores resultados do que a minha, o ministério não
me dá possibilidade de escolher? Como é possível que nalgumas
disciplinas a diferença entre a média da nota da avaliação interna e
média da nota do exame chegue a ser de dez valores? Como é possível
continuar a conviver com situações em que é claro que há escolas que
inflaccionam as suas médias internas para beneficiar, injustamente,
estudantes pior preparados no acesso à universidade? O que é que se
passou com velhas e prestigiadas instituições de ensino que nem sequer
aparecem neste "top 100"?
Estas são apenas algumas das questões a colocar na abertura de um
debate que deve percorrer a sociedade portuguesa de alto a baixo.
Algumas delas vão ter respostas desagradáveis - lembrando, por
exemplo, que continua a haver bons e maus professores, apesar do sistema
tender a ignorá-lo, homogeneizando por baixo a qualidade e por cima os
direitos a subir na carreira; outras não vão ter respostas simples -
colocando, por exemplo, o problema de saber qual a margem que os pais
têm para, dentro do ensino público, escolher a escola dos seus filhos,
e que ajuda deve o Estado dar aos pais sem posses que queiram
transferi-los para uma boa escola privada.
Tudo isto vai poder agora discutir-se não apenas com base em
conjecturas ou em preconceitos, mas sobre uma base ampla de evidência
empírica e estatística. Os dados para permitir a avaliação das
escolas estão agora acessíveis a todos - o que representa, num país
habituado ao secretismo, às capelinhas e aos compadrios, um salto
civilizacional.