Público - 28 de Agosto
Duas Notícias
Por EDUARDO CINTRA TORRES
Nas notícias televisivas, a vida vale menos do que a morte. A
terrível chacina de Fortaleza motivou informação em directo e
noticiários adicionais.
No mesmo dia, o extraordinário caso do avião que planou sem
combustível durante 18 minutos e aterrou nas Lajes da Terceira, sem
vítimas entre as mais de 300 pessoas a bordo, essa saga extraordinária
- que ficará na história da aviação civil - quase não mereceu
menção nos noticiários televisivos. Foi um "fait-divers".
Na primeira notícia havia a bárbara morte; na segunda notícia, a
vitória da vida. Na primeira notícia havia a emoção em directo; na
segunda, só o frio relato diferido. Na primeira notícia havia imagens
e correspondentes locais; a segunda notícia não mobilizou meios. Para
a primeira notícia havia "pivots" emocionados ou
super-emocionados; para a segunda, "pivots"-leitores
profissionais.
Na primeira notícia havia essa invenção da nova televisão, as
famílias das vítimas; na segunda notícia não havia famílias porque
não havia vítimas - apenas 300 e tal sobreviventes.
Na primeira notícia havia as entrevistas ao patético português que
levou à morte de seis compatriotas; na segunda notícia havia o
silêncio do comandante herói.
A primeira notícia estava a "fazer-se", era
"espectacular", no âmago da nova espectacularidade
televisiva; a segunda notícia tinha terminado, sem recolha de imagens,
não tinha a espectacularidade do momento, estava "fechada",
sem nada para acrescentar.
Há quem diga que a tese, hoje já um aforismo, "o meio é a
mensagem", de Marshall McLuhan, está ultrapassada. Não sei como.
Quando um meio como a televisão dá a notícia que convém ao seu meio
e ignora a notícia que não convém ao seu meio é porque o que a
televisão tem para oferecer em primeiro lugar é a própria televisão.
Podemos esperar algumas cedências às notícias que não interessam
à sua espectacularidade, à sua ontologia, mas sem optimismos. Cada
meio dá a mensagem que lhe convém.