SIC OnLine - 27 de Agosto

Os "rankings" ou a tese do presente envenenado

Opinião de David Justino

Ministro sombra do PSD para a Educação, o sociólogo David Justino assumiu na Assembleia da República a luta para que fossem conhecidos os dados que permitem aferir a qualidade do ensino. Defende agora a comparação ao longo do tempo.

O Ministério da Educação (ME) reconheceu finalmente o direito dos cidadãos ao acesso à informação sobre os resultados dos exames nacionais. Tal como a recusa na divulgação desses resultados mereceu o nosso repúdio e indignação, também este acto de cedência perante a lei e a opinião pública merece o nosso aplauso.

Não creio que o ME tenha alterado a sua posição relativamente aos "rankings". Resistiu até onde foi possível. Desrespeitou a lei e a ética política ao não responder a um requerimento de um deputado. Quis iludir uma decisão judicial com o silêncio arrogante do poder. Finalmente, de forma pragmática, a nova equipa ministerial decidiu encerrar esta frente de batalha porque outras se revelam bem mais complicadas.

O acesso à informação que permite elaborar as listas classificadas, exige uma responsabilidade acrescida por parte dos órgãos de comunicação social e daqueles que sempre pugnaram pela sua divulgação. Não basta a publicação dessas listas, disciplina a disciplina e escola a escola. Tal como defendemos quando da apresentação e discussão do projecto de lei na Assembleia da República, é necessário definir um algoritmo que considere outras variáveis e permita ponderar os resultados dos exames.

Para quem quiser ver a sua escola subir na classificação por processos menos recomendáveis poderá adoptar algumas práticas cujo efeito é a sua perversão.

Uma dessas práticas é a da reprovação de alunos mais fracos: a média das avaliações sumativas, bem como a probabilidade de se obterem melhores resultados no exame, sobem de imediato. Uma das formas de contrariar esta prática é a de introduzir no algoritmo a taxa de sucesso (relação entre alunos aprovados e alunos inscritos) de forma a não incentivar a via dos auto-propostos.

Uma segunda prática de há muito conhecida é a da "inflação" das classificações sumativas. Neste caso é necessário considerar o diferencial entre a média das classificações sumativas e a média dos resultados obtidos em exame. Quanto maior for o diferencial maior deverá ser a "penalização" definida pelo algoritmo. Se assim não fosse, as escolas e os professores que são mais exigentes e rigorosos na atribuição das classificações, seriam penalizados.

Para além destas e de outras práticas, é fundamental considerar na leitura dos resultados a influência do meio social. Entendo que há uma responsabilidade pedagógica dos órgãos de comunicação social e, neste sentido, seria bom que se destacassem as escolas que, mesmo situadas nas últimas posições do "ranking", apresentem melhorias relativamente a resultados anteriores. Para mim os melhores são os que melhoram, mesmo enfrentando as dificuldades de um meio social desfavorecido, a falta de recursos pedagógicos e didácticos, a instabilidade do corpo docente, a degradação das instalações.

Por último, um apelo à comunidade científica. A informação agora disponibilizada constitui uma excelente base para se esclarecerem os factores de sucesso e insucesso na Escola. O senso comum está dominado por um determinismo pretensamente sociológico que importa pôr em causa. As teses em torno da dimensão das turmas, dos mecanismos de reprodução e de exclusão social, da "escola inclusiva", das metodologias inovadoras, merecem agora ser confrontadas com os resultados obtidos. Como dizia Fernand Braudel, os números não resolvem problemas, mas evitam que os formulemos de forma desadequada. Obrigam-nos, simplesmente, a pensar.

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