SIC OnLine - 27 de Agosto
Nunca mais nada será igual
Opinião de José Manuel Mestre
Em 2000 João Almeida deu a ideia, concretizada por José Manuel
Mestre e por Pedro Coelho. Este ano a equipa cresceu muito nas
redacções da SIC. Foram meses de trabalho deitado fora na última
semana para que o artigo que se segue tivesse razão de ser.
É um passo de gigante para a Educação em Portugal. Basta olhar
para a frieza dos números para perceber que a há muito reclamada
libertação de toda a informação oficial relativa a médias internas
de escola e de exames nacionais do 12º ano era fundamental.
Falo do que me é próximo. Em Castro Verde, a minha terra,
registou-se a pior média de todo o país nos exames nacionais de
Matemática; trinta e quatro alunos conseguiram uma "proeza"
que me deixou preocupado: obtiveram uma média de exame de 2,3 valores
depois de passarem pela avaliação da escola com uma média de 12,3. A
Química passou-se o mesmo e a Psicologia andou lá por perto. Para quem
é de Castro Verde isto dá que pensar. Mas ainda bem que nos é dada a
possibilidade de pensar nisso!
A nível nacional há, no entanto, casos iguais ou piores: vejam-se
os resultados obtidos pelos alunos da Escola Secundária do Montijo que
realizaram o exame de Geometria B: entre a média da classificação
interna final e o exame registou-se uma descida de... 11,9 valores e a
média da disciplina atribuída pela escola - que era uma das melhores
no distrito de Setúbal - foi, em exame, a pior de todo o país.
Recorrendo à SIC Online cada um de nós, ao consultar os dados de
uma forma sistemática ou apenas os que nos são próximos, há-de
encontrar casos no mínimo estranhos que merecem reflexão. Seja ela
individual ou colectiva e seja qual for o nosso papel na sociedade.
Só o medo de assumir por igual as virtudes e os defeitos do sistema
educativo e de enfrentar os lóbis nele instalados pode pois ter levado
sucessivos governantes e os partidos políticos que os suportam a
enterrar a cabeça na areia, preferindo esconder a verdade a encará-la
de frente. Como se fosse possível evoluir com obscurantismo. Fazer
desaparecer a falta de qualidade com secretismo.
Sem responsabilidade não há qualidade
Todos sabemos que a transparência responsabiliza e, por isso,
favorece e
estimula a procura da qualidade. Se
queremos ter um ensino de qualidade teremos inevitavelmente de
responsabilizar todas as partes nele envolvidas e, nesse sentido, os
resultados responsabilizam quem os apresenta.
Ao ser possível conhecer, com critérios estatísticos, de que
escolas saíram os alunos com melhores resultados nos uniformizados
exames nacionais de 12º ano, ou seja, aqueles que revelaram melhores
conhecimentos científicos nas matérias examinadas às diferentes
disciplinas, ganham também aqueles que entregam uma vida a oferecer
mais-valias ao sistema educativo.
Quem, além de melhores homens e melhores mulheres, formou alunos
cientificamente mais preparados para o futuro - deles e... nosso, porque
é o nosso futuro colectivo que está em causa! - está de parabéns.
Mais: ao poder avaliar finalmente, de forma integrada, os resultados
positivos do seu trabalho recebe a melhor de todas as recompensas pelo
esforço, pela dedicação e pela sabedoria que colocou ao serviço dos
seus alunos e um estímulo adicional para continuar a trabalhar ainda
com mais alegria, motivação e entrega.
Para o bem e para o mal
A educação tem problemas e graves, ninguém o ignora, bastando para
tal olhar para o sem número de faculdades que se têm visto obrigadas a
aceitar alunos com miseráveis médias negativas para não fechar as
portas. Era também por isso preciso, urgente, mesmo prioritário
conhecer os resultados do único exame nacional de todo o percurso
educativo dos estudantes portugueses para poder avaliar as condições
em que é conferido o 12º ano, muitas vezes com invejáveis médias
internas que os alunos não só não são capazes de confirmar em exame
como conseguem manchar com médias que chegam a ficar uma dezena de
pontos abaixo da classificação atribuída internamente. É certo que,
nas escolas onde isso acontece, há seguramente profissionais
competentes, dedicados, até altamente qualificados que podem ser
confundidos com esses resultados mas se, em nome de uma moral doentia,
quisermos usar esse argumento para esconder da comunidade aquilo que ela
está a produzir então jamais conseguiremos dar passos em frente e
estaremos, pelo contrário, a cair desamparados num poço sem fundo.
É evidente que as escolas não podem ser avaliadas apenas pelo
desempenho dos seus alunos nestes exames nacionais até por ser um dado
mais ou menos adquirido pela comunidade educativa que muitas delas
escondem médias de exame aceitáveis com uma espécie de limpeza de
ficheiros: chumbam alunos em massa - ou aconselham-nos à prévia
desistência - para não terem de se vergar ao peso que os resultados da
falta de preparação científica dos seus estudantes teria nas médias
de exame. Seja como for, por mais atenuantes e variáveis que alguns
apresentem para retirar significado ao comportamento dos seus alunos em
exame, só pode estar contra a valorização do que estes elementos
representam para cada escola quem quiser tapar o sol com uma peneira.
A coragem
Há um ano a SIC fez, por sua conta e risco, o tratamento por amostra
dos resultados obtidos em mais de quarenta escolas; o trabalho terá
exposto o óbvio: a necessidade de abrir as escolas à sociedade
permitindo o debate público, a comparação de experiências, boas e
más, com dados universais concretos. Por isso, este ano, a SIC foi mais
longe e preparou um levantamento em cerca de cento e cinquenta escolas
públicas e privadas de todo o país de que prescindiu apenas há uma
semana quando o Ministério da Educação disponibilizou todos os dados
oficiais.
Os resultados que a SIC apresenta constam portanto de uma base de
dados do Ministério da Educação que antes era emprateleirada nos
sótãos da 5 de Outubro. O seu tratamento constitui pois uma novidade
absoluta: segundo altos responsáveis que passaram pelo Ministério
nunca, até hoje, os resultados dos exames nacionais de 12º ano foram
tratados de forma integrada, escola a escola; alegadamente, pasme-se,
para evitar que daí pudesse resultar a elaboração de alguma tabela
ordenada de escolas.
A partir de agora só pode haver um "antes de" e um
"depois de" na educação e, espera-se, na política de
educação em Portugal. Cabe por isso a Júlio Pedrosa demonstrar a sua
coragem política e... técnica. Com estes dados o novo ministro tem de
agir. Há escolas cujos alunos obtiveram resultados pavorosos nos mesmos
exames que alunos de outras escolas resolveram com uma perna às costa
ou até com brilhantismo - um abismo demasiado grande para se falar
apenas das externas variantes sociais, económicas ou outras. Sejamos
claros: é de qualidade de ensino que se trata.
Nenhum de nós - cidadãos, pais, alunos, encarregados de educação
- pode ficar indiferente às responsabilidades que tem mas, pelo seu
lado, o Ministério da Educação não pode mais ignorar a parte de
leão que lhe cabe na realidade evidenciada. E como agir não significa
punir talvez caiba ao ministro provar coragem técnica ao ponto de ter
coragem política para discriminar positivamente quem trabalha bem; Até
porque essa seria também uma forma de responsabilizar aqueles a quem é
preciso exigir que trabalhem muito melhor. O Futuro, muito
provavelmente, ficar-lhe-ia agradecido.