Ecclesia - 4 de Dezembro

Trabalho na Família e na Profissão

A tendência e incentivos verificados na sociedade actual para a “especialização”, quer na ciência e na técnica, quer mesmo na vida do dia-a-dia, facultam, a proliferação do “taylorismo” que, aconselhando a fragmentação dos vários estádios da fabricação industrial de um produto num grande número de operações simples, e a especialização em 2, 3 ou mesmo 4 daquelas operações, conseguiu resultados económicos razoáveis. Este tipo de trabalho em cadeia teve grande aceitação por parte dos sindicatos e pensadores marxistas, já que os trabalhadores se distinguiam pelas suas tarefas específicas mas repetitivas e, consequentemente, embrutecedoras. O “taylorismo”, do ponto de vista humano, foi um desastre pois que, por ele, o homem no trabalho ficava limitado à expressão mais simples com os consequentes reflexos na vida familiar.
Reflexos na vida familiar tem também, e talvez com mais funestas consequências, o facto de grande parte dos empresários verem no trabalho - deles próprios e dos seus colaboradores - apenas um meio de “produzir, para ganhar” e não um meio de servir a comunidade em que a força do “ser” deve impor-se à força do “ter”.
Bem se justifica aquele apelo de Mauriac: “Importa sobretudo revalorizar o homem!”, isto é, revalorizar a sua dignidade, revitalizar a sua força criadora e promover o desenvolvimento das suas capacidades e aptidões na ordem física e espiritual.
E com muita razão escreveu o Santo Padre João Paulo II na Encíclica “A Solicitude Social da Igreja” - que infelizmente corresponde grandemente À realidade actual - “Por detrás de certas decisões escondem-se a avidez do lucro, a ânsia de poder e verdadeiras formas de idolatria: do dinheiro, da ideologia, da classe e de tecnologia”.
Não admira, pois, que estas circunstâncias sejam factores de variadas e divergentes correntes de opinião sobre as relações “Família-Empresa”.
Enquanto uns, por a considerarem como pertencente ao foro privado de cada indivíduo, advogam o princípio de que a família nada tem que ver com a empresa, outros - pelo contrário - entendem que é possível conciliar a vida profissional e familiar sem que qualquer delas seja prejudicada nas suas funções e nos seus direitos. Para os primeiros, “a família e a empresa” são como “o azeite e a água”: coexistem mas não se misturam. Para os segundos, as duas instituições são como “o queijo e o vinho”: distintos e individualizados, mas “vão bem juntos”.
Julgo haver hoje muito pouca gente que duvide de que a estabilidade e felicidade das famílias, bem como a estabilidade e êxito das empresas, dependem muito da harmonização da vida familiar e profissional.
Estudos levados a efeito pelo psicólogo americano Dr. Mortimer Feinberg, revelaram que em cada quatro dirigentes (empresários, administradores, directores) três sofrem duma doença que se atribui ao que se designa “corporate bigamist”, isto é: duplo casamento “com o emprego e com a família”.
Examinadas as causas (principalmente demasiada dedicação ao trabalho) e as consequências (como seja o pouco tempo para si próprio e para a família, e os conflitos familiares resultantes), o Dr. Feinberg chegou à conclusão de que um dirigente que não consegue reconhecer e aliviar os efeitos do “corporate bigamist” corre o grave risco de a sua saúde física e mental serem seriamente afectadas.
O que se passa com os dirigentes, passa-se também com os colaboradores, de quem se exige trabalho intenso, horas extraordinárias - muitas vezes aceites não só por razões de dedicação ao serviço, mas também pela natural ânsia de promoção. Em consequência disso, surgem os conflitos familiares, separações, depressões, falta de tempo para a família, etc.
É por isso que começa a sentir-se uma crescente resistência a uma vida profissional que relegue para plano secundário a vida familiar. Daí que muitas empresas estejam a encarar estratégias de acção e a tomar medidas para evitar o alastramento e intensificação de tais conflitos, que necessariamente terão nelas reflexos muito negativos.
Assim, no âmbito da responsabilidade social das empresas, para além do respeito pelos direitos à subsistência, vida própria, salários justos, é muito importante que na organização o trabalho se considere o apoio social necessário para consolidar a unidade e estabilidade da família, com especial incidência na elaboração de horários de trabalho que possibilitem tempo para a vida familiar. Isto é: a organização do trabalho deve ser tal que respeite os direitos dos indivíduos como pessoas, com necessidades espirituais, morais, culturas e materiais.
Neste sentido, lembro alguns pontos aos quais se deve prestar especial atenção:

1. Ambiente de trabalho favorável à unidade e à estabilidade da vida conjugal
2. Dedicação à empresa compatível com a missão de esposos e de pais
3. Respeito pela independência e intimidade na família

Como conclusão, direi que por razões de justiça social e de eficácia na consecução dos objectivos da família e da empresa, a organização do trabalho em cada uma destas instituições deve favorecer as relações entre elas. Os objectivos de cada uma delas e as acções que nelas se devem desenvolver não são opostos nem contraditórios, mas antes complementares. É possível e salutar a harmonização das relações família-empresa. Mas para isso é imprescindível que cada um dos seus membros esteja consciente das suas responsabilidades e da missão que nelas lhe compete exercer.
Quando alguém exerce a sua actividade profissional com esmero, dinamismo, conhecimento, seriedade, honestidade, e na sua actividade familiar com amadorismo, passividade, empirismo, rotina e até incompetência, demonstra desordem (?) ou inconsciência (?), ou irresponsabilidade (?), mas certamente desrespeito por uma correcta hierarquização de valores.
Ou de outra maneira - e reforçando a mesma ideia - uma pessoa que mostra grande interesse pelos problemas das empresas, do trabalho, d sociedade ou da política, e descura os da família, bem se pode dizer que inverteu a escala de valores que caracteriza o homem integral, que o dignifica e o distingue das outras criaturas.

Tomaz Espírito Santo
Presidente do Centro de Orientação Familiar (CENOFA)

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