Público - 16 Dez 03

A Abrir
Por JOSÉ VÍTOR MALHEIROS

É inegável que se todos os condutores portugueses tivessem a perícia de Fangio poderiam circular pelas nossas estradas e ruas exactamente à mesma velocidade que o fazem hoje e dar origem a muito menos - ou a nenhuns - acidentes, mortos e feridos.

Por outro lado, é igualmente inegável que a esmagadora maioria dos condutores portugueses não tem a perícia de Fangio (nem os carros que ele conduziu). Daí que pareça sensato reduzir a velocidade que seria admissível para o famoso ás argentino para níveis mais coerentes com a perícia média dos condutores reais do nosso quotidiano. E isto porque chocar contra um poste, contra outro carro ou o corpo de um peão a 80 quilómetros à hora é mais destruidor do que a 40 quilómetros à hora. Física.

Que a medida é limitadora das potencialidades daqueles condutores que sabem que poderiam circular com segurança a maior velocidade e que possuem a capacidade de prever certeiramente não só as asneiras dos outros como de reagir correctamente às idiossincrasias das estradas e da sinalização e às inclemências do tempo, é também verdade. Imagino porém - faz parte da premissa - que o grupo de pessoas que não só experimentam este sentimento como possuem realmente essa perícia são uma pequeníssima minoria e, por esse facto, parece-me razoável limitar a sua liberdade em prol da segurança de todos. As leis que regem a condução são feitas tendo em vista um condutor médio e não um excelente piloto a conduzir uma viatura impecável - o que parece também razoável.

Vem isto a propósito do texto "Morrer na Estrada" (PÚBLICO 12.12.2003) onde Miguel Sousa Tavares se indigna contra o facto de o excesso de velocidade ser sistematicamente indicado em Portugal como o principal factor de acidentes e mortes nas estradas, sendo esquecidos outros factores - como a imperícia e a incivilidade dos condutores, a má sinalização, as más estradas, etc.

Se o empenho de MST é por uma formação mais exigente dos automobilistas (incluindo condução em condições extremas, por exemplo) e pela sua reciclagem, naturalmente que essas medidas são razoáveis- ainda que improváveis, pela sua impopularidade. Mas seria perigoso se, em nome dos outros factores de acidentes - que concordo que estejam a ser secundarizados -, se negligenciasse o combate ao excesso de velocidade.

Os acidentes mortais no interior das cidades (que representam 40 por cento dos mortos), por exemplo, não têm certamente como causa o mau estado dos pisos (ainda que ele seja calamitoso em certos casos) e poderiam ser certamente reduzidos com o respeito dos limites de velocidade. Descer a Av. da República a 100 à hora (e todas as outras avenidas que os nossos autarcas vão transformando em auto-estradas) não permite certamente deter o carro em caso de travessia irregular por um peão (ou de travessia numa passadeira) - e a condução prudente é a que parte do princípio de que as asneiras mais frequentemente praticadas pelos outros no passado são prováveis no futuro. É evidente que andar a 150 na auto-estrada pode não ser demasiado perigoso, mas menosprezar os limites de velocidade legitima a atitude de quem sobe a Rua da Rosa a 70 quilómetros a hora - o que é criminoso.

[anterior]