|
Público - 12 Fev 03
Defender o Ambiente, Acabando com a Pobreza
Por KLAUS TOEPFER
Antes e depois de uma guerra, há um debate interminável sobre os seus custos
económicos, que incluem os custos das bombas e os do auxílio humanitário. Também
há que calcular os custos do saneamento ambiental. (...) A utilização do
ambiente como uma arma deve ser universalmente condenada, deve ser denunciada
como um crime internacional contra a humanidade, contra a natureza.
Podemos eliminar facilmente a carga negativa da linguagem da guerra - "danos
colaterais", "fogo amigo", "bombas inteligentes" - mas eliminar as consequências
ambientais da guerra é uma tarefa muito mais difícil.
A perda de vidas humanas e o sofrimento daqueles que ficam sem casa e passam
fome deve ser, indubitavelmente, a nossa principal e primeira preocupação.
Mas o que acontece com demasiada frequência é que o impacte da guerra nos
sistemas que sustentam a vida na Terra é ignorado e é-o, diria eu, pondo-nos em
perigo, como os conhecimentos reunidos pela Secção de Avaliação da Situação Após
um Conflito, do PNUA, indicam.
A segurança do ambiente, tanto no que refere a reduzir as ameaças de guerra como
a reabilitar com êxito um país, depois de um conflito, tem de deixar de ser
encarada como um luxo, devendo antes ser vista como uma parte fundamental de uma
política de paz realmente duradoura.
Poucos conseguem esquecer os lagos e poças de petróleo, as imagens de televisão
em que o fumo e as chamas transformavam o dia em noite, durante o conflito de
1991, no Kuwait. Estima-se que 700 poços de petróleo tenham sido danificados,
destruídos e sabotados, provocando a poluição das reservas de água e dos mares,
com um impacte que ainda hoje se faz sentir.
Tem-se dito que, em consequência da fuligem, a taxa de mortalidade no Kuwait
sofreu um aumento de 10%. O único aspecto positivo foi que os mais de quatro
milhões de toneladas de fuligem e enxofre não se elevaram a uma altura superior
a 5000 metros, pois, se tal tivesse acontecido, teria acarretado perigos
potencialmente graves para o clima regional e talvez mesmo mundial.
A guerra tem também muitos efeitos indirectos no ambiente. A Campanha
Internacional contra as Minas Terrestres, que ajudou a inspirar uma convenção
internacional, diz que dezenas de milhão de explosivos continuam espalhadas pelo
mundo inteiro, em zonas de conflito como o Afeganistão, o Camboja e a Bósnia e
no continente africano. Não representam apenas perigos terríveis, mutilando e
matando os refugiados e os habitantes das aldeias que regressam às suas terras.
Impedem efectivamente que as pessoas voltem a cultivar as terras produtivas e
obrigam-nas a destruir florestas e outras zonas preciosas, a fim de se poderem
dedicar à agricultura, o que constitui uma prática com consequências como a
redução da fertilidade dos solos, a aceleração da degradação dos solos e a perda
de espécies da fauna e flora selvagens.
As facções em guerra e as populações civis deslocadas podem ter um efeito muito
negativo nos recursos naturais. Décadas de guerra civil em Angola fizeram que,
nos seus parques e reservas nacionais, restem apenas 10% das espécies de fauna e
flora selvagens. Segundo alguns cálculos, a guerra civil no Sri Lanka levou ao
abate de cinco milhões de árvores, privando os agricultores dessa fonte de
rendimento. Muitas pessoas pobres dos países em desenvolvimento dependem de uma
forma decisiva das florestas para obter alimentos e medicamentos.
O nosso primeiro princípio é a busca da paz. Na verdade, não deveríamos esquecer
que o Prémio Nobel da Paz, atribuído há dois anos a Kofi Annan, foi concedido
não só ao Secretário-Geral mas também a todo o sistema da ONU.
A guerra pode, no entanto, ser justificada, quando se tentaram e esgotaram todas
as vias diplomáticas, todas as alternativas razoáveis. A luta por libertar a
Europa e o mundo da loucura do fascismo, que culminou na Segunda Guerra Mundial,
foi vital. É preciso enfrentar o mal, custe o que custar.
Mas, tal como se esquece com demasiada frequência que o ambiente e os seus
recursos naturais são as baixas da guerra, a longo prazo, também se ignora
demasiadas vezes o seu papel no que se refere a espoletar tensões que podem
alastrar e originar conflitos.
Muitos conflitos em continentes como África foram impulsionados ou, no mínimo,
alimentados pela avidez de possuir minerais como os diamantes e petróleo ou
madeira.
Algumas pessoas e grupos podem fazer fortunas a coberto de uma guerra com uma
motivação ideológica. Estima-se que, em Angola, os diamantes tenham rendido aos
rebeldes da UNITA mais de 4 mil milhões de dólares, entre 1992 e 1994. Em meados
da década de 90, os Khmer Rouge obtinham cerca de 240 milhões de dólares por ano
graças à exploração das florestas do Camboja.
Como os sistemas que sustentam a vida e os recursos naturais do planeta se estão
a tornar cada vez mais escassos, as possibilidades de conflito aumentam. A água,
o recurso mais precioso da Terra, crucial para a vida em geral, não está
distribuída de uma forma uniforme pelo mundo e entre as nações. Há 263 bacias
hidrográficas, partilhadas por 145 países. Mas mais de 95% desses rios ficam no
território de apenas 33 nações.
Em 2032, a população do mundo pode viver em zonas que enfrentem um stress
hídrico grave. Todos os dias morrem seis mil pessoas, na sua maioria crianças,
devido a um saneamento deficiente ou inexistente ou em consequência da falta de
água salubre. É o equivalente a um quarto do número de pessoas que morrem todos
os anos, numa grande capital como Londres.
Se os países não utilizarem a água de uma forma prudente, se não aprenderem a
partilhá-la, haverá instabilidade e tensões susceptíveis de desencadear uma
guerra.
O que temos para contrapor a isto são as acções concretas no domínio do
desenvolvimento sustentável. Já temos uma aliança contra o terrorismo;
precisamos de uma aliança contra a pobreza e de solidariedade com as pessoas
marginalizadas, precisamos de defender a natureza e os nossos recursos naturais.
Porque pouco se poderá conseguir em matéria de conservação do ambiente e dos
recursos naturais, se milhares de milhão de pessoas não tiverem esperança, se
não lhes for dada uma oportunidade de se preocuparem com isso.
Como o Secretário de Estado norte-americano Colin Powell disse, pouco antes da
Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que teve lugar em
Joanesburgo, "o desenvolvimento sustentável... é um imperativo de segurança. A
pobreza, a degradação do ambiente e o desespero destroem as pessoas, as
sociedades e as nações. Esta trindade sacrílega pode desestabilizar países,
mesmo regiões inteiras."
O Plano de Aplicação de Joanesburgo, acordado no final da Cimeira, visa reduzir
a pobreza e permitir um desenvolvimento que dure, um desenvolvimento que fomente
um ambiente estável e justiça social. A maneira de pôr em prática esse Plano
será o tema central de uma reunião mundial de ministros do ambiente, o Conselho
de Administração do PNUA, que se realizará na sede do PNUA, em Nairobi, no
Quénia, em princípios de Fevereiro.
É com o maior prazer que acolheremos esta reunião, apenas umas semanas depois
das eleições pacíficas que se realizaram no Quénia, onde um novo governo chegou
ao poder no meio de uma onda de optimismo. Os profetas da desgraça, que
infelizmente têm demasiadas vezes razão no que se refere à democracia em África,
foram obrigados a engolir as suas palavras. É também com muita alegria que
registo que o novo governo colocou a pobreza e um ambiente saudável, bem como a
luta contra a corrupção, entre as suas grandes prioridades. Tal como nós,
acredita que eliminar a pobreza é a política de paz do século XXI.
Assim, do que precisamos acima de tudo é de uma polícia ambiental que funcione
como uma política de prevenção da guerra.
Os governos começam agora a aperceber-se realmente da necessidade de reabilitar
o ambiente, se tudo o resto falha e deflagra um conflito. Muitos reconhecem
agora que um ambiente poluído, que as reservas de água contaminadas e a terra e
o ar poluídos não são uma receita a longo prazo para a estabilidade.
Em 1999, o PNUA e a organização congénere, o ONU-Habitat, foram encarregados de
procederem à avaliação da situação nos Balcãs, após o conflito. Pouco depois, o
PNUA levou a cabo um trabalho semelhante na Macedónia e na Albânia, na sequência
do conflito no Kosovo. As conclusões desses trabalhos norteiam agora o
saneamento ambiental e a recuperação destes países.
Também concluímos uma avaliação da situação nos Territórios Palestinos Ocupados
e no Afeganistão. Aliás, esses estudos vão ser apresentados aos ministros na
nossa reunião de Fevereiro.
Espero que os resultados não só informem como inspirem as nações a esforçar-se
mais para que as pessoas destas terras tão abaladas possam ter o ambiente
saudável que merecem, o ar puro, a água e os solos necessários para assegurar o
crescimento e a prosperidade.
Mas devemos ir mais longe. Antes e depois de uma guerra, há um debate
interminável sobre os seus custos económicos, que incluem os custos das bombas e
os do auxílio humanitário. Também há que calcular os custos do saneamento
ambiental.
Já temos as Convenções de Genebra, que visam salvaguardar os direitos dos
prisioneiros e dos civis. Precisamos de salvaguardas semelhantes para o
ambiente. Devem ser envidados todos os esforços para limitar a destruição do
ambiente. A utilização do ambiente como uma arma deve ser universalmente
condenada, deve ser denunciada como um crime internacional contra a humanidade,
contra a natureza.
Director Executivo do Programa das Nações Unidas para o Ambiente
[anterior]
|