Público - 16 Fev 04

"Há 130 Mil Imigrantes na Economia Paralela"

Bagão Félix é cauteloso na abordagem à questão da imigração. Recorda que tem a vantagem de ser um independente e de poder seguir as suas convicções próprias sobre a questão, mas não se distancia da regulamentação da lei da imigração feita pelo Governo.

P. - Voltando à entrevista de Vítor Constâncio. Ele também chamou a atenção para a necessidade de acolhermos mais imigrantes. Do partido que o indicou para o Governo tem vindo um discurso diferente e ainda recentemente D. Januário Torgal Ferreira disse que havia claramente duas leituras diferentes entre o PSD e o PP. Há essa divergência? E onde se coloca: entre os que querem limitar mais a entrada de imigrantes ou entre os que sublinham a importância de os acolher?
R. - Permita-me que comece por uma nota pessoal. Estou num Governo em que nunca senti a diferença de ser indicado pelo PP. Depois tenho a vantagem, ou o inconveniente, de ser independente: sou independente por liberdade e por convicções, e tenho as minhas convicções sobre essa matéria.

P. - E quais são?
R. - Tenho ouvido muita coisa, tenho estado silencioso... As minhas convicções é que entre o voluntarismo, o sonho que é sempre bom ter-se, e a realidade há um meio-termo, isto é, não o rigorismo excessivo, mas a consideração humana, económica, social dos imigrantes.

P. -  Está então mais próximo de D. Januário do que de Paulo Portas?
R. - Estou mais próximo da lei que foi aprovada pelo Governo, que teve a minha colaboração e empenhamento.

P. - Uma quota de 6500 imigrantes não é demasiado pouco?
R. - Não são 6500, são 20 mil porque considerámos os 13500 que neste momento estão inscritos nos centros de emprego. A questão da quota foi estabelecida por amostragem a 20 mil empresas. Responderam 62,5 por cento das empresas, o que é uma taxa notável de adesão.

P. - As empresas dizem que precisam de carpinteiros, não dizem certamente que precisam de carpinteiros ucranianos ou moldavos...
R. - O inquérito estava feito perguntando especificamente, por profissão, quantos lugares entendiam os empregadores que deviam ser preenchidos por imigrantes.

P. - Uma quota de estrangeiros dentro das empresas, isso faz algum sentido?
R. - Mas como é que podíamos avaliar? Tínhamos de ter alguma base, e essa base foram as empresas. Em Portugal somos um país do mais ou menos, mas depois nos raciocínios tendemos a ser maniqueístas, a cair nos extremos, como se não houvesse nada no meio. E contesto frontalmente as duas posições maniqueístas. Uma é a de que não entram imigrantes porque temos desempregados portugueses. O que temos é de conseguir que os imigrantes entrem no mercado formal - isso é muito mais determinante do que as quotas. Neste momento temos 265 mil imigrantes inscritos na segurança social e só temos 135 mil a descontar, o que significa que há 130 mil imigrantes na economia paralela.

P. - Isso é uma responsabilidade do seu Ministério, da fiscalização...
R. - Não posso ter um fiscal à porta de cada empresa.

P. - Mas esses números são assustadores, estamos a falar de metade dos imigrantes fora do sistema.
R. - Já foi pior. Havia muito mais há dois anos e estamos a melhorar.

P. - Fala da quota de 6500 novos imigrantes, mas o ministro Morais Sarmento, considerando as legalizações e o reagrupamento familiar, fala de 200 mil pessoas...
R. - Precisamente. Não entram nas quotas mas vão ser legalizadas as pessoas que estando empregadas e tendo descontado 90 dias para o fisco e para a segurança social. E o reagrupamento familiar também não entra na quota. Os imigrantes desempregados também não entram na quota. É assim que chegamos a números que são consensuais no seio do Governo.

P. - 200 mil?
R. - Não sei. É um disparate quantificar o que não conhecemos - e não conhecemos quantos reagrupamentos familiares teremos. O que sabemos é que em 2004, novos imigrantes vindos de fora não poderão ser mais de 6500.

P. - Esperemos que em 2005 a economia permita mais...
R. - Esperemos que sim.

P. - Como sabe, muitos dos imigrantes têm formações muito acima das funções que estão a desempenhar. Não era obrigação do Estado recensear essas competências, que fazem falta ao país - médicos, engenheiros...
R. - Está-se a fazer alguma coisa nessa matéria.

P. - O que se está a fazer é na sociedade civil, os jesuítas, a Fundação Gulbenkian. Não há um papel a desempenhar pelas autoridades públicas?
R. - Há. Mas recuso-me a ver a imigração apenas como uma força de trabalho. E tendemos a confundir mercado com a Nação. O mercado é uma coisa, a Nação têm responsabilidades éticas e políticas, até porque somos um país de emigração. Há um imperativo ético, moral, nacional, de tratar bem, de respeitar os imigrantes, que não podem ser contabilizados apenas numa conta de deve e haver.

P. - Por isso mesmo, se temos alguém com formação de médico, de engenheiro, de economista, a fazer limpezas ou a ser servente de pedreiro, algo que é humilhante humanamente, não há um dever de fazer alguma coisa?
R. - Tem de ser feito. Mas antes ainda temos de conseguir o reagrupamento familiar. É mais imperativa a coesão familiar dos imigrantes e depois a adaptação às suas destrezas profissionais. Do meu ponto de vista é esta a prioridade.

[anterior]