Diário de Notícias - 23 Fev 04

Famílias grandes perdem no abono
CARLA AGUIAR

O novo abono de família penaliza os agregados com mais filhos, mesmo que estes pertençam aos estratos mais desfavorecidos da sociedade. É, por exemplo, o caso de uma família com um rendimento equivalente ao salário mínimo (356 euros) e com três filhos, de 3 meses, 11 anos e 15 anos, que fica a perder 7 euros. A mesma família é ainda mais penalizada se tiver mais um filho de seis anos, sendo prejudicada em 17,32 euros, comparativamente ao regime anterior. Em contrapartida, é beneficiada em 34 euros no caso de ter apenas dois filhos, um dos quais com menos de um ano.

Estes exemplos contrariam o argumento usado por Bagão Félix para alterar o regime do abono de família. Em Agosto de 2003, quando a lei foi aprovada , o ministro da Segurança Social defendia que estas mudanças visavam «privilegiar as famílias de menores rendimentos e com maior número de filhos», argumentação que vem, aliás, no texto da lei. Mas o exercício de aplicação, de forma aleatória, da nova fórmula de cálculo desta prestação a famílias de composição e rendimentos distintos permite concluir que não é bem assim. Se é verdade que as famílias mais pobres até um determinado nível de rendimento baixo saem beneficiadas, as mais numerosas são, em regra, prejudicadas, tanto nos grupos de rendimentos baixos como nos médios ou altos, onde, pura e simplesmente, se perde o direito à prestação.

O problema, como ressalva a responsável da CGTP pela área da Segurança Social, Maria do Carmo Tavares, é que «o Governo está a tratar cidadãos da classe média e média-baixa como se fossem ricos, reduzindo-lhes direitos». Um exemplo disso parece resultar da apreciação do seguinte caso apontado por Maria do Carmo Tavares: uma família com rendimento mensal bruto de 1700 euros (340 contos) e com dois filhos recebia 84,35 euros no anterior regime e agora passa a receber 70 euros, ou seja, é penalizada em 14 euros. A perda é ainda mais expressiva se em causa estiver um típico casal de classe média-baixa portuguesa, com um rendimento bruto global de 2500 euros e um filho de 5 meses, que fica prejudicado em 37 euros.

O aumento do número de escalões de rendimento, de quatro para cinco, e a menor valorização que o novo regime atribui ao terceiro filho e seguintes são as duas grandes razões que justificam tamanhas diferenças no valor da prestação. E explicam, em particular, a penalização das famílias mais numerosas.

Enquanto o regime aprovado pelo governo socialista reforçava fortemente a prestação a partir do terceiro filho, o mesmo não acontece na actual legislação. No escalão mais baixo de rendimentos, o antigo regime pagava 26,76 euros euros até aos dois filhos, mas esse valor pulava para 40 euros a partir de um terceiro filho.

POBRES COM MAIS FILHOS Estatísticas da Segurança Social referentes a Julho de 2003 mostram que metade das famílias com três e mais filhos têm rendimentos iguais ou inferiores a 1,5 salários mínimos. Ao penalizar as famílias mais numerosas, são abrangidas também muitas famílias de baixos recursos.

A maioria (74%) dos descendentes subsidiados tinham entre 2 e 16 anos de idade, sendo que a idade média dos descendentes com subsídio foi de 10 anos. O peso dos primeiros e segundos descendentes no total em 2002 foi de 85%, enquanto as crianças abaixo de um ano só representam 8,8% do total.

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