Diário de Notícias - 23 Fev 04

Os números do desânimo
João César das Neves 

Portugal anda desanimado. Toda a gente o diz e já começa a ser uma banalidade. Falamos de divergência face à Europa, de atrasos na produtividade, de estagnação na produção. Mas afinal o que é que aconteceu?

A melhor forma de ver os termos concretos em que se consubstancia o problema é usar dados da União Europeia, entidade privilegiada para este tipo de comparações. Recentemente, a Comissão publicou mais uma edição do anexo estatístico ao relatório anual (ver http://europa.eu.int/comm/economy-finance/publications/ statistical-en.htm). Ainda é uma versão preliminar, mas fornece já uma ideia dos valores envolvidos.

O quadro traçado é, realmente, muito negativo. Se medirmos o nível de vida pelo indicador mais adequado, o produto por habitante em relação à média europeia avaliado em paridades do poder de compra (ver quadro 9), notamos uma evolução muito adversa nos últimos 5 anos. Em 2003, o nosso produto per capita estava em 67,3% do nível da Europa, valor semelhante ao que fora atingido dez anos antes, em 1993. Assim, pode dizer-se que nesta última década o nosso país estagnou face à média da União Europeia. Mas esta imobilidade aparente esconde uma enorme variação, com uma primeira fase de grande melhoria relativa e depois uma queda acentuada.

Ao entrar na CEE em 1986, Portugal tinha um valor de produto que era cerca de metade (53,9%) da Europa. O crescimento nos 11 anos seguintes foi muito acelerado, de forma que em 1997 se atingiu o pico com 73,4% da média europeia. O valor estagnou no ano seguinte, mas depois caiu acentuadamente, até aos 67% actuais.

Esta evolução manifesta-se de muitas formas. Por exemplo, ao aderir à Europa, Portugal era o seu país mais pobre. Mas três anos depois, em 1989, ultrapassámos a Grécia (em valores com paridade de poder de compra), país que estava em decadência acentuada. Mantivemos esse penúltimo lugar durante 14 anos pois, segundo os dados agora publicados, voltámos a ser os mais pobres em 2003 e estaremos no fundo da escala até que a entrada de novos países do Leste em Junho nos atire para o meio da nova tabela alargada.

Em relação à Espanha, tema que tem andado em foco ultimamente, a evolução é paralela. O produto português por habitante era 66,6% do espanhol em 1960 e já tinha atingido os 75,5% à data da adesão conjunta à Europa. Os primeiros tempos em comum na União foram favoráveis ao nosso país, e em 1997 Portugal tinha um nível de vida quase igual (92%) ao espanhol. Mas também aqui os últimos anos foram negativos. Em 2003 estamos colocados em 78,4% do valor de Espanha, retornando ao nível de 1988.

Este quadro numérico é o que alimenta o «fado miserabilista» que tantos têm cantado. Mas deveria antes incitar-nos a repetir os progressos notáveis do período anterior, em que erámos muito mais pobres que hoje. Mas há uma questão central. Porque se inverteu a antiga tendência? Como é possível que uma economia que subiu tanto nos primeiros onze anos de adesão se tenha deixado cair assim nos últimos seis? Evidentemente que há muitas explicações para problema tão vasto. Mas uma delas salta bem à vista. Esta inversão deu-se poucos tempo depois de o país ter decidido deixar de ser o «bom aluno» europeu. Como se vê nesta época do ano nas universidades e escolas de todo o País, quando se desiste de ser bom aluno, as pautas não demoram muito a mostrar maus resultados.

naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

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